TEXTOS DE ESTUDO DO GRUPO



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Pesquisa Qualitativa Versus
Pesquisa Quantitativa: Esta É a Questão?

RESUMO – Diante da falta de diálogo entre pesquisadores qualitativos e quantitativos, este artigo adota uma posição
“ecumênica”. Argumenta que ambas as abordagens têm suas vantagens, desvantagens, pontos positivos e pontos negativos, considerando que o método escolhido deve se adequar à pergunta de uma determinada pesquisa. O trabalho apresenta algumas diferenciações entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Em seguida, aponta a complexidade da pesquisa qualitativa em termos de pressupostos, coleta, transcrição e análise de dados. Discutimos, também, critérios de qualidade para a pesquisa qualitativa. Concluimos com considerações sobre as conseqüências para a pesquisa, ao se optar pela pesquisa qualitativa e/ou pela pesquisa quantitativa.

Ao se considerar como objeto de estudo do cientista social
a variabilidade do comportamento e dos estados subjetivos,
i.é, pensamentos, sentimentos, atitudes, segue-se
a pergunta: a que atribuir esta variabilidade? Sob a ótica
das ciências sociais empíricas existem três aproximações
principais para compreender o comportamento e os estados
subjetivos3 : a) observar o comportamento que ocorre
naturalmente no âmbito real; b) criar situações artificiais e
observar o comportamento diante das tarefas definidas para
essas situações; c) perguntar às pessoas sobre o seu comportamento,
o que fazem e fizeram e sobre os seus estados
subjetivos, o que, por exemplo, pensam e pensaram. Cada
uma destas três famílias de métodos de conduzir estudos
empíricos – observação de comportamento, experimento
e survey – apresentam vantagens e desvantagens distintas
(Kish, 1987). As vantagens e desvantagens são ligadas à
qualidade dos dados obtidos, às possibilidades da sua obtenção
e à maneira de sua utilização e análise4. Considerando
que este artigo trata, predominantemente, da pesquisa
qualitativa e de dados qualitativos, convém explicitar que a
primeira vertente, observação, inclui registros de comportamento
e estados subjetivos, como documentos, diários,
filmes, gravações, que constituem manifestações humanas
observáveis.

O que une os mais diversos métodos e técnicas de pesquisa
incluídos nestas três grandes famílias de abordagem é
o fato de todos partirem de perguntas essencialmente qualitativas.
Por que existe variabilidade verificada? Como lidar
com a mesma? Quais as suas implicações? Estas perguntas
exigem, por sua vez, respostas qualitativas. A variabilidade
existe por essa ou aquela razão. Tem essas ou aquelas implicações.
Assim, usando números, ou não, na tentativa de
se chegar de uma pergunta qualitativa a uma resposta qualitativa,
qual seria a diferença entre a pesquisa qualitativa e
a pesquisa quantitativa? Será que se pode argumentar que
todo tipo de pesquisa é qualitativa?
Neste artigo, começamos com a apresentação de algumas
diferenciações entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa
quantitativa. Mostraremos, depois, a complexidade da pesquisa
qualitativa em termos de pressupostos, coleta, transcrição
e análise de dados. A seguir, apontamos critérios de
qualidade para a pesquisa qualitativa. Concluímos o artigo
com implicações para pesquisa, ao se optar para a pesquisa
qualitativa e/ou a pesquisa quantitativa.

Diferenciações entre a Pesquisa
Qualitativa e a Pesquisa Quantitativa
Ao revisar a literatura sobre a pesquisa qualitativa, o que
chama atenção imediata é o fato de que, freqüentemente, a
pesquisa qualitativa não está sendo definida por si só, mas
em contraponto a pesquisa quantitativa. Apresentaremos
alguns destes contrastes e comparações. Para organizar as
diferenças e similaridades entre a pesquisa qualitativa e a
pesquisa quantitativa, consideramos: a) características da
pesquisa qualitativa; b) postura do pesquisador; c) estratégias
de coleta de dados; d) estudo de caso; e) papel do sujeito
e f) aplicabilidade e uso dos resultados da pesquisa.
Características da pesquisa qualitativa
A clássica afirmação de Dilthey “explicamos a natureza,
compreendemos a vida mental” (citado por Hofstätter,
1957, p. 315) pode ser vista como o ponto de partida para as
diferenças entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa.
A primazia do “compreender a vida mental” reaparece
em todas as discussões sobre a natureza da pesquisa qualitativa.
Qual, então, a natureza da pesquisa qualitativa? Quais
alguns dos pressupostos desta abordagem?
Flick, von Kardorff e Steinke (2000), apresentam quatro
bases teóricas: a) a realidade social é vista como construção
e atribuição social de significados; b) a ênfase no caráter
processual e na reflexão; c) as condições “objetivas”5 de
vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos;
d) o caráter comunicativo da realidade social permite
que o refazer do processo de construção das realidades sociais
torne-se ponto de partida da pesquisa. Subseqüentemente,
estes autores “traduzem” estas bases teóricas em 12
características da pesquisa qualitativa. Mayring (2002), por
outro lado, apresenta 13 alicerces da pesquisa qualitativa.
Agregando estes dois conjuntos, chegamos a cinco grupos
de atributos da pesquisa qualitativa: a) características gerais;
b) coleta de dados; c) objeto de estudo; d) interpretação
dos resultados; e) generalização.

Características gerais
Seguindo o pensamento de Dilthey citado acima, Flick
e cols. (2000) apontam a primazia da compreensão como
princípio do conhecimento, que prefere estudar relações
complexas ao invés de explicá-las por meio do isolamento
de variáveis. Uma segunda característica geral é a construção
da realidade. A pesquisa é percebida como um ato subjetivo
de construção. Os autores afirmam que a descoberta
e a construção de teorias são objetos de estudo desta abordagem.
Um quarto aspecto geral da pesquisa qualitativa,
conforme estes autores, é que apesar da crescente importância
de material visual, a pesquisa qualitativa é uma ciência
baseada em textos, ou seja, a coleta de dados produz textos
que nas diferentes técnicas analíticas são interpretados hermeneuticamente.
Cabe alertar ao leitor que a primeira destas quatro características
pode ser considerada um contraponto artificial.

Dificilmente um pesquisador adjetivado como quantitativo
exclui o interesse em compreender as relações complexas.
O que tal pesquisador defende é que a maneira de chegar
a tal compreensão é por meio de explicações ou compreensões
das relações entre variáveis. Segundo, sem dúvida,
pode-se conceber as múltiplas atividades que compõem o
processo de pesquisa como um ato social de construção de
conhecimento. A questão não respondida, porém é, “qual
a correspondência entre o conhecimento socialmente construído
e a realidade alheia?” – supondo, obviamente, que
ela exista independentemente do pesquisador. A descoberta
e a construção de teorias simplesmente constituem o cerne
de qualquer ciência. Uma preferência por material textual é
uma legitima opção de procedimento, desde que não se contraponha
aos princípios elencados no próximo parágrafo.

Coleta de dados
Tanto Mayring (2002) quanto Flick e cols. (2000) consideram
o estudo de caso como o ponto de partida ou elemento
essencial da pesquisa qualitativa. Em ambas as publicações
ressaltam-se o princípio da abertura. Tal postura vai
além da formulação de perguntas abertas. Nas palavras de
Mayring (p. 28), “nem estruturações teóricas e hipóteses,
nem procedimentos metodológicos devem impedir a visão
de aspectos essenciais do objeto [de pesquisa]”. Ao mesmo
tempo, enfatiza, que “apesar da abertura exigida, os
métodos são sujeitos a um controle contínuo (...) Os passos
da pesquisa precisam ser explicitados, ser documentados e
seguir regras fundamentadas” (p. 29). O princípio da abertura
se traduz para Flick e cols. (2000) no fato da pesquisa
qualitativa ser caracterizada por um espectro de métodos e
técnicas, adaptados ao caso específico, ao invés de um método
padronizado único. Ressaltam, assim, que o método
deve se adequar ao objeto de estudo.
Pode-se argumentar que não somente o controle metodológico,
mas também as demais características mencionadas
acima, aplicam-se a qualquer tipo de pesquisa. A questão
subjacente que se coloca é a seguinte: a partir de que
momento do processo de pesquisa vai-se de um caso específico,
deixando-se portas abertas para agregar dados não esperados,
não se restringindo a um único método padronizado?
Ao conceber o processo de pesquisa como um mosaico
que descreve um fenômeno complexo a ser compreendido
é fácil entender que as peças individuais representem um
espectro de métodos e técnicas, que precisam estar abertas a
novas idéias, perguntas e dados. Ao mesmo tempo, a diversidade
nas peças deste mosaico inclui perguntas fechadas e
abertas, implica em passos predeterminados e abertos, utiliza
procedimentos qualitativos e quantitativos.

Objeto de estudo
Para Mayring (2002) a ênfase na totalidade do indivíduo
como objeto de estudo é essencial para a pesquisa
qualitativa, i.é, o princípio da Gestalt. Além do mais, a
concepção do objeto de estudo qualitativo sempre é visto
na sua historicidade, no que diz respeito ao processo desenvolvimental
do indivíduo e no contexto dentro do qual
o indivíduo se formou. Tanto Mayring quanto Flick e cols.
(2000) sublinham que o ponto de partida de um estudo
seja centrado num problema, pois a diferenciação entre
pesquisa básica e aplicada não é frutífera. Flick e cols.
salientam, ainda, que as perspectivas de todos os participantes
da pesquisa são relevantes e não apenas a do pesquisador.
A questão do objeto de estudo na pesquisa qualitativa
nos leva de volta às controvérsias entre a posição da Gestalt
e dos experimentalistas. A afirmação “o todo é maior do
que a soma das suas partes” não significa que não possa ser
conveniente, concentrar-se “apenas” numa parte do processo
da pesquisa.

Interpretação dos resultados
Tanto Mayring (2002) quanto Flick e cols. (2000) apontam
acontecimentos e conhecimentos cotidianos como elementos
da interpretação de dados. Os acontecimentos no
âmbito do processo de pesquisa não são desvinculados da
vida fora do mesmo. Isto leva, ainda, a contextualidade
como fio condutor de qualquer análise em contraste com
uma abstração nos resultados para que sejam facilmente generalizáveis.
Implica, ainda, num processo de reflexão contínua
sobre o seu comportamento enquanto pesquisador e,
finalmente, numa interação dinâmica entre este e seu objeto
de estudo.
Uma distinção mais acentuada entre a pesquisa qualitativa
e a pesquisa quantitativa diz respeito à interação dinâmica
entre o pesquisador e o objeto de estudo. No caso da
pesquisa quantitativa, dificilmente se escuta o participante
após a coleta de dados. Uma inclusão de acontecimentos e
conhecimentos cotidianos na interpretação de dados depende,
no caso da pesquisa quantitativa, da audiência e do meio
de divulgação. Ao mesmo tempo em que um nível maior de
abstração pode impedir a inclusão do cotidiano, qualquer
passo na direção de uma aplicação de resultados necessariamente
inclui o dia-a-dia. O mesmo se aplica para a questão
do contexto. A reflexão contínua, obviamente, não é específica
da pesquisa qualitativa; deve acontecer em qualquer
pesquisa científica.

Generalização de resultados
A generalização de resultados da pesquisa qualitativa
passa por quatro dimensões. Mayring (2002) introduz o
conceito da generalização argumentativa. À medida que
os achados na pesquisa qualitativa se apóiem em estudo de
caso, estes dependem de uma argumentação explícita apontando
quais generalizações seriam factíveis para circunstâncias
específicas. No caso da pesquisa quantitativa, uma
amostra representativa asseguraria a possibilidade de uma
generalização dos resultados. Relaciona-se a isto a ênfase
no processo indutivo, partindo de elementos individuais
para chegar a hipóteses e generalizações. Entretanto, este
processo deve seguir regras, que não são uniformes, mas
específicas a cada circunstância. Desta maneira, é de suma
importância que as regras sejam explicitadas para permitir
uma eventual generalização. Finalmente, Mayring não exclui
a quantificação, mas enfatiza que a função importante
da abordagem qualitativa é a de permitir uma quantificação
com propósito. Desta maneira, poder-se-ia chegar a generalizações
mais consubstanciadas.

Postura pessoal do pesquisador
Uma primeira distinção entre a pesquisa qualitativa e a
pesquisa quantitativa refere-se ao fato de que na pesquisa
qualitativa há aceitação explícita da influência de crenças e
valores sobre a teoria, sobre a escolha de tópicos de pesquisa,
sobre o método e sobre a interpretação de resultados. Já
na pesquisa quantitativa, crenças e valores pessoais não são
consideradas fontes de influência no processo científicas.
Será mesmo? Considerando que um tema importante da
psicologia social é o estudo de atitudes, crenças e valores,
a questão não é se valores influenciam comportamentos e
estados subjetivos, inclusive os valores do cientista. O que
se coloca é como lidar com esta influência no contexto da
pesquisa – seja ela qualitativa ou quantitativa.
Além da influência de valores no processo de pesquisa,
há de se constatar um envolvimento emocional do pesquisador
com o seu tema de investigação. A aceitação de
tal envolvimento caracterizaria a pesquisa qualitativa. Já a
intenção de controlá-lo, ou sua negação, caracterizariam a
pesquisa quantitativa. Da mesma maneira que os valores fazem
parte da vida humana, o estudo das emoções é assunto
importante da psicologia clínica e da personalidade, razão
pela qual, mais uma vez, volta-se à questão mais relevante:
como lidar com esta influência no contexto da pesquisa?

Estratégias de coleta de dados
Uma resposta ao problema de como lidar com os valores
e o envolvimento emocional do pesquisador com o seu
objeto é por meio do controle das variáveis do estudo. O
contraponto feito entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa
quantitativa é o de estudar um determinado fenômeno
no seu contexto natural versus estudá-lo no laboratório. A
primeira estratégia – da pesquisa qualitativa – implica em
relativa falta de controle de variáveis estranhas ou, ainda,
a constatação de que não existem variáveis interferentes e
irrelevantes. Todas as variáveis do contexto são consideradas
como importantes. Na segunda estratégia – da pesquisa
quantitativa – tenta-se obter um controle máximo sobre o
contexto, inclusive produzindo ambientes artificiais com o
objetivo de reduzir ou eliminar a interferência de variáveis
interferentes e irrelevantes. Entre as variáveis irrelevantes
e potencialmente interferentes, incluem-se tanto atributos
do pesquisador, por exemplo, seus valores, quanto variáveis
contextuais ou atributos do objeto de estudo que “não interessam”
naquele momento da pesquisa.
Antes de tudo, consideramos essa classificação de variáveis
em relevantes e interferentes uma questão estratégica
no processo de pesquisa. Em princípio, qualquer variável
pode explicar uma parte, mesmo que infinitésima, da variabilidade
do fenômeno sob estudo. Entretanto, existem
variáveis que por razões teóricos e/ou de experiência prévia
são mais promissoras do que outras. Além do mais, por razões
práticas, há de se limitar as variáveis estudadas num
mesmo tempo a um número manejável, seja em termos de
recursos – de tempo e dinheiro – por parte do pesquisador,
seja da disponibilidade dos participantes da pesquisa. Desta
maneira, limitar o número de variáveis estudadas numa
determinada pesquisa não implica que as demais variáveis
sejam necessariamente consideradas improcedentes – uma
boa pesquisa sempre está aberta ao surgimento de novas variáveis
e a explicações alternativas do cenário considerado
no início da investigação. O fato de se levar em conta mais
explicitamente os valores e os demais atributos do pesquisador
requer, por parte da pesquisa qualitativa, maior detalhamento
dos pressupostos teóricos subjacentes, bem como
do contexto da pesquisa. Por outro lado, a estandardização
dos procedimentos na pesquisa quantitativa pode indicar
avanço no estabelecimento de um maior grau de intersubjetividade
entre pesquisadores que usam um determinado
procedimento.

Estudo de caso
O chamado paradoxo da psicologia coloca em confronto
o estudo aprofundado de um evento individual, objeto de
interesse da Psicologia por excelência com a necessidade
do estabelecimento de parâmetros para os atributos destes
eventos. Por exemplo, médias constituem parâmetros para

descrever eventos individuais, mas, tais parâmetros são obtidos
somente em estudos que ignoram a individualidade
dos eventos. Assim, ao descrever a individualidade de uma
pessoa como agradável, está implícita a resposta à pergunta
“em termos de que referencial?” Este referencial pode
ser qualitativo: “mais agradável do que fulano” ou pode
ser quantitativo: “sete pontos numa escala de 0 a 10”. Seja
como for, tais parâmetros referenciais somente são obtidos
por meio de investigações mais complexas do que de estudos
de caso. Observa-se, assim, que abordagens qualitativas,
que tendem a serem associadas a estudos de caso,
dependem de estudos quantitativos, que visem gerar resultados
generalizáveis, i.é, parâmetros. Desta maneira dilui-se
a controvérsia entre o estudo de caso, i.é, uma investigação
aprofundada de uma instância de algum fenômeno, e o estudo
envolvendo um número estatisticamente significativo
de instâncias de um mesmo fenômeno, a partir do qual seria
possível generalizar para outras instâncias. Além do mais,
num estudo de caso é possível utilizar tanto procedimentos
qualitativos quanto quantitativos.

Papel do sujeito
Mencionou-se, acima, a questão do envolvimento emocional
e valorativo do pesquisador com a temática do seu
estudo. Deve-se indagar, também, sobre o grau de passividade
dos participantes de uma pesquisa. Até que ponto os
sujeitos de um estudo são envolvidos na concepção, realização
e interpretação de resultados de uma pesquisa? A
associação feita é de que um participante ativo supõe uma
pesquisa qualitativa, já um participante passivo, é “sujeito”
de uma pesquisa quantitativa. Embora a pesquisa-ação
seja uma abordagem que permite um papel mais ativo do
participante, há de se ressaltar que no desenvolvimento original
da pesquisa-ação por parte de Lewin (1982), qualquer
abordagem – observacional, experimental, survey, qualitativa,
quantitativa – poderia ser utilizada, como demonstrado
por Sommer e Amick (1984/2003). Voltaremos à questão da
pesquisa-ação e pesquisa participante, mais adiante.

Aplicabilidade e uso da pesquisa
Existe uma longa controvérsia sobre o valor relativo da
natureza da ciência básica versus aplicada. A argumentação
compreende desde “pesquisa sem aplicação é um desperdício”
até “gerar conhecimento é um fim em si, qualquer
utilidade é secundária” (Günther, 1986). Por alguma razão
pouco clara, a posição da primazia da pesquisa aplicada é
associada à pesquisa qualitativa e da pesquisa básica à pesquisa
quantitativa. Esta associação pode estar relacionada
ao processo de “tradução” da questão inicialmente qualitativa
em estratégias de coleta de dados quantitativos e à
(re)tradução dos resultados quantitativos para uma resposta
qualitativa.
Subjacente à discussão em torno da pesquisa básica versus
pesquisa aplicada está a questão da finalidade do conhecimento.
Uma postura ativista, conforme a qual a finalidade
da ciência seria a de ajudar as pessoas (participantes da pesquisa)
a obter autodeterminação seria mais característica da
pesquisa qualitativa. Por outro lado, a ciência que “somente”
contribui para com o avanço do conhecimento aplicável
a todas as pessoas – podendo ou não manter o status quo
– seria postulado pela pesquisa quantitativa. Não surpreende
que essa associação seja mais contestada pelos cientistas
naturais, vide, por exemplo, a palestra do físico Res Jost
(1970/1995) sobre o conto de fada da torre de marfim.
Sem dúvida, o próprio fato de existirem estas associações
indica que pesquisas, de qualquer natureza, não são atividades

atividades
desvinculadas das características do pesquisador, nem
do contexto sociocultural dentro do qual são realizadas.
Por outro lado, temos sérias dúvidas quanto à procedência
das respectivas associações com a pesquisa qualitativa e a
pesquisa quantitativa. A postura do pesquisador diante do
seu objeto de estudo pode levar a estratégias de pesquisa
diferentes, mas não significa que um, ou outro, atribua
maior valor ao contexto sociocultural da pesquisa. O ato
de se abordar indivíduos para que participem em pesquisa
demonstra o reconhecimento da sua expertise. Da mesma
maneira que é difícil defender a participação de todos os
participantes de uma pesquisa em todas as fases da mesma
(por exemplo, crianças de cinco anos sendo observadas
num playground), o pesquisador deve solicitar e utilizar
os comentários dos seus sujeitos sobre a sua pesquisa.
O fato de considerar a distinção entre pesquisa aplicada
versus básica pouca vantajosa no contexto do avanço do
conhecimento, torna uma eventual associação destas duas
vertentes a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa,
respectivamente, ainda menos relevante. Em resumo, os
pontos listados acima constituem (devem constituir) preocupações
de qualquer pesquisador.

Pesquisa Qualitativa: Delineamento,
Coleta, Transcrição e Análise de Dados
No início deste artigo, apontamos três aproximações
básicas para compreender o comportamento e os estados
subjetivos na psicologia: a) observar o comportamento que
ocorre naturalmente no âmbito real; b) criar situações artificiais
e observar o comportamento diante de tarefas definidas
para essas situações; e c) perguntar às pessoas sobre
o seu comportamento e seus estados subjetivos. Diante da
exposição sobre os pressupostos da pesquisa qualitativa
fica a pergunta, onde e como técnicas qualitativas específicas
se enquadram nesta divisão tripartite? Conforme já
afirmado, são características da pesquisa qualitativa sua
grande flexibilidade e adaptabilidade. Ao invés de utilizar
instrumentos e procedimentos padronizados, a pesquisa
qualitativa considera cada problema objeto de uma pesquisa
específica para a qual são necessários instrumentos
e procedimentos específicos. Tal postura requer, portanto,
maior cuidado na descrição de todos os passos da pesquisa:
a) delineamento, b) coleta de dados, c) transcrição e d) preparação
dos mesmos para sua análise específica. Inspirado
em Mayring (2002), que organizou seu livro introdutório
desta maneira, trataremos de cada um destes quatro passos
para o contexto da pesquisa qualitativa de maneira separada.
Julgamos esta separação útil, uma vez que existem
muitas combinações entre os diferentes delineamentos,
maneiras de coletar, transcrever e analisar os dados. Freqüentemente,
manuais da pesquisa qualitativa apresentam
coleta e análise de dados interligados (por exemplo, Camic,
Rhodes & Yardley, 2003; Denzin & Lincoln, 1994). Mesmo
que se considere tal junção interessante, já que mostra a
integração entre coleta e análise, tal procedimento tende
a ocultar as demais possibilidades de combinar elementos
destas técnicas de pesquisa.

Delineamentos da pesquisa qualitativa
Mayring (2002) apresenta seis delineamentos da pesquisa
qualitativa: estudo de caso, análise de documentos,
pesquisa-ação, pesquisa de campo, experimento qualitativo
e avaliação qualitativa. Para qualquer pesquisador
acostumado a trabalhar quantitativamente fica evidente
que nenhum destes delineamentos é necessariamente qualitativo.
Estudo de caso
No contexto de um estudo de caso, delimitado como a
coleta e análise de dados sobre um exemplo individual para
definir um fenômeno mais amplo (Vogt, 1993) podem-se
coletar e analisar tanto dados quantitativos quanto qualitativos.
Além disto, é concebível observar comportamento
no seu contexto natural, criar experimentos que utilizem o
sujeito como seu próprio controle (Campbell & Stanley,
1963; Ibrahim, 1979), bem como realizar entrevistas, aplicar
questionários ou administrar testes.
Análise de documento
A análise de documentos é a variante mais antiga para
realizar pesquisa, especialmente no que diz respeito à revisão
de literatura. Além de procedimentos tradicionais de
leitura e resumo de idéias, é possível extrair e sumarizar
resultados por meio de meta-análise (e.g., Rosenthal, 1984).
A utilização de documentos como fonte sistemática de dados
foi iniciada por Leopold von Ranke, o pai da história
científica na primeira parte do século XIX (Grafton, 1997).
Desde então, desenvolveram-se tanto técnicas mais quantitativas
quanto qualitativas para lidar com fontes secundárias
e documentais. Dependendo da natureza dos documentos
existem as mais diferentes maneiras de encará-los, desde
relatos verbais e respostas a perguntas de pesquisadores futuros,
até segmentos de texto selecionados como “sujeitos”
entre um corpo lingüístico grande, por meio de procedimentos
de amostragem.

Pesquisa-ação
Não somente no Brasil a pesquisa-ação foi incorporada
ao campo da pesquisa qualitativa (vide Thiollent, 1985).
Num texto que propõe dar uma breve introdução à pesquisa-
ação, Newman (2000) sequer faz referência a Lewin,
embora a perspectiva original da pesquisa-ação tenha sido a
de realizar investigações que contribuam, ao mesmo tempo,
para o avanço científico e à transformação social (Lewin,
1982). Conforme apontado por Sommer (1977) e Sommer e
Amick (1984/2003), a pesquisa-ação independe da técnica,
podendo ser utilizada com experimento, observação ou survey.
Observa-se, ainda, uma junção entre a pesquisa-ação e
a pesquisa participante (vide Brandão, 1985, 1987).
Pesquisa de campo
Esta abordagem engloba, desde a década de 1930, uma
ampla variedade de delineamentos desde a sua introdução ao
contexto acadêmico por Jahoda, Lazarsfeld e Zeisel (1933).
Este estudo é especialmente interessante do ponto de vista
do método da pesquisa qualitativa, ao mesmo tempo em que
se constitui como exemplo de triangulação, i.é, uma integração
de diferentes abordagens e técnicas – qualitativas e
quantitativas – num mesmo estudo. O manual de métodos
em antropologia cultural (Naroll & Cohen, 1970) inclui a
secção “processo de pesquisa de campo” envolvendo desde
métodos quantitativos experimentais (e.g., Sechrest, 1970)
até procedimentos qualitativos clínicos (Edgerton, 1970).
Amplitude semelhante de técnicas pode ser encontrada na
obra de Werner e Schoepfle (1987), bem como em outros
livros sobre pesquisa de campo.

Experimento qualitativo e avaliação qualitativa
O fato de qualificar experimento e avaliação com o adjetivo
“qualitativo” reforça a constatação de que estes pro cedimentos,
 além da interpretação tradicional da pesquisa
quantitativa, podem incluir uma abordagem qualitativa.
Em suma, nenhum dos seis delineamentos metodológicos
comentados acima constitui seara qualitativa ou quantitativa.
Num próximo passo, analisaremos elementos do processo
de pesquisa – coleta, transcrição e análise de dados
– utilizados na pesquisa qualitativa.

Coleta de dados na pesquisa qualitativa
Para o contexto da pesquisa qualitativa, as três maneiras
de coleta de dados apontadas por Kish (1987) – observação,
experimento e survey – podem ser reagrupadas como coleta
de dados visuais e verbais. Independente dos delineamentos
elencados acima, diferentes técnicas de coleta de dados
visuais e verbais podem ser utilizadas. Diante dos objetivos
deste artigo, constatamos um grande número de procedimentos
em diversos livros da área. Flick (1995) diferencia
entre quatro tipos de entrevistas: a) focalizada, b) semi-estandardizada,
c) centrada num problema e d) centrada no
contexto (e.g., com especialistas ou etnógrafos). Além do
mais, aponta três tipos de relatos: a) entrevista narrativa, b)
entrevista episódica e c) contos. Descreve, ainda, três tipos
de procedimentos grupais: a) entrevista em grupo, b) discussão
em grupo e c) narrativa em grupo. No que diz respeito
aos procedimentos visuais, Flick menciona a) observação,
b) observação participante, c) etnografia, d) fotografia e e)
análise de filmes. Mayring (2002) descreve quatro maneiras
de levantar dados no contexto da pesquisa qualitativa: a)
dados verbais por meio de entrevista centrada num problema,
b) entrevista narrativa, c) grupo de discussão e d) dados
visuais por meio da observação participante.
Seguem-se algumas referências em Português e Inglês
que tratam de maneiras de coleta de dados com maior detalhe:
Dados verbais:
- Entrevista de maneira geral: Banister, Burman, Parker,
- Taylor e Tindall (1994); Fontana e Frey (1994);
- Entrevista centrada no problema: Schorn (2000);
- Entrevista episódica: Flick (2002);
- Entrevistas individuais e grupais: Gaskell (2002);
- Entrevista narrativa: Dick (2000), Jovchelovitch e
Bauer (2002);
- Entrevista por telefone: Burke e Miller (2001).
Dados visuais:
- Uso de vídeo, filme e fotografias: Loizos (2002),
Ratcliff (2003), Neiva-Silva e Koller (2002);
- Observações: Adler e Adler (1994), Banister e
cols. (1994).

Transcrição de dados na pesquisa qualitativa
Não apenas na pesquisa qualitativa, o passo entre a coleta
de dados e a sua análise parece ser o mais ignorado na
literatura. Especialmente na pesquisa qualitativa, este passo
é de suma importância diante da grande variabilidade nas
maneiras de coletar dados e da sua não-estandardização.
Mayring (2002) diferencia entre a) meios de representação
de dados, b) transcrição de dados propriamente dita e c)
construção de sistemas descritivos.

Representação de dados
Os meios de representação de dados de qualquer pesquisa
são intimamente ligados às técnicas de coleta dos mesmos.
Isto é mais evidente no caso de escolher meios
visuais: o próprio ato de fotografar ou filmar um determinado
evento já inclui a “transcrição” de uma idéia em uma
representação, no caso visual. As imagens já se encontram
concatenadas.

Transcrição de dados
A transcrição de material verbal pode tomar as mais
variadas formas. A maneira mais detalhada é a transcrição
literal de uma entrevista gravada com a inclusão de sinais
indicando entonações, sotaques, regionalismo e “erros” de
fala. É a transcrição mais completa, mais informativa e, também,
a mais cara em termos de tempo e de dinheiro. Existe
a transcrição comentada, não necessariamente mutuamente
excludente da anterior, na qual se registra explicitamente
hesitações na fala além das expressões faciais e corporais
que acompanham as verbalizações da pessoa. Registros
filmados ajudam, consideravelmente, na preparação deste
tipo de transcrição. Outra forma de transcrição consiste no
protocolo resumido, se bem que este já implique num processamento
da informação dentro de algum esquema interpretativo
já existente. Os protocolos seletivos, apropriados
no caso de muito material, não somente supõem um esquema
interpretativo subjacente, mas necessitam ainda mais do
que as outras formas, de transcrição e de regras explícitas
para a seleção do material.

Construção de sistemas descritivos
Se o meio de representação de dados forma o elo com
a técnica da coleta de dados, a construção de sistemas descritivos
a partir da transcrição faz o elo com a interpretação
dos dados. Embora a pesquisa qualitativa seja mais indutiva
do que dedutiva, não há como afirmar que a construção de
um sistema descritivo seja totalmente livre de perspectivas,
valores e emoções de quem prepara um sistema de categorização
de eventos. Diante das considerações acima sobre a
postura do pesquisador e as estratégias de coleta de dados,
uma descrição detalhada dos procedimentos da coleta, da
transcrição e da análise de dados é essencial. A grounded
theory é um exemplo do quanto à transcrição e a interpretação
estão entrelaçadas (Glaser & Strauss, 1967).

Análise de dados na pesquisa qualitativa
A variedade de técnicas de análise de dados corresponde
à variedade de coleta, embora não exista uma relação direta
entre as duas. Mayring (2002) menciona sete maneiras de
analisar dados qualitativos: a) grounded theory, b) análise
fenomenológica, c) paráfrase social-hermenêutica, d) análise
de conteúdo qualitativa, e) hermenêutica objetiva, f)
interpretação psicanalítica de textos e g) análise tipológica.
No livro de Bauer e Gaskell (2000/2002) há oito capítulos
apresentando enfoques analíticos para texto, imagem e som.
À medida que os recortes de cunho metodológico-analíticos
variam, Camic e cols. (2003) e Denzin e Lincoln (1994)
apresentam vários capítulos sobre análise de dados qualitativos.
Soma-se a esta diversidade o uso cada vez mais
intenso de recursos computacionais na área; no Anexo são
apresentadas algumas referências e links para páginas de
programas.

Critérios de Qualidade de Pesquisa
O que constitui “pesquisa bem feita”, confiável, merecedora
de ser tornada pública para contribuir para o manancial
de conhecimento sobre um determinado assunto? Lienert
(1989) diferencia entre critérios principais e critérios secundários.
Entre os primeiros, constam objetividade, fidedignidade
e validade. Entre os segundos, constam utilidade, economia
de esforço, normatização e comparabilidade. Seria
difícil, se não impossível, verificar a base científica de uma
pesquisa por meio de estudos adicionais se a mesma não
satisfaz a estes critérios.
Até que ponto estes – ou outros – critérios se aplicam
à pesquisa qualitativa? Steinke (2000) aponta três posturas
quanto à aplicabilidade de critérios de qualidade à pesquisa
qualitativa. Uma primeira posição rejeita critérios de qualidade.
O freqüentemente citado argumento de Feyerabend
(1976), segundo o qual “qualquer coisa” vale, parecenos
confortável, entretanto mal compreendido. Diante da
multiplicidade de problemas a serem estudados, deve-se
adaptar o método à pergunta. Neste sentido, qualquer método
que “dê conta do recado” vale. Tal estratégia, porém,
não exime o pesquisador de mostrar até que ponto há uma
correspondência entre o método escolhido e a pergunta e,
muito menos, da indagação sobre a qualidade dos resultados.
Raciocínio semelhante aplica-se ao argumento sócioconstrutivista
contra uma avaliação da pesquisa qualitativa:
conhecimento e avaliação são parte do processo de criação
de conhecimento, resultado de construção social e, portanto,
dependente do contexto e dos atores, não constituindo
uma realidade à parte. Mesmo assim, há de se reconhecer
que parte inerente do processo social da construção de conhecimento
é o julgamento dos atores (pesquisadores) em
aceitar, ou não, a posição subjetiva do outro.
Uma segunda posição argumenta em favor de critérios
específicos da pesquisa qualitativa, questionando a aplicabilidade
de critérios de qualidade utilizados na pesquisa
quantitativa. Partindo da natureza sui generis da pesquisa
qualitativa, podem ser utilizados vários critérios específicos
(Steinke, 2000): a validação comunicativa implica numa
checagem com o participante da pesquisa, no sentido de
perguntar se o pesquisador o entendeu corretamente. Na
validação da situação de entrevista verifica-se até que ponto
foi possível estabelecer uma relação de confiança entre
pesquisador e entrevistado. A triangulação implica na utilização
de abordagens múltiplas para evitar distorções em
função de um método, uma teoria ou um pesquisador.
A terceira posição tenta adaptar critérios da pesquisa
quantitativa para determinar a qualidade da pesquisa qualitativa.
Miles e Huberman (1994) apresentam uma série de
critérios que constituem tais adaptações. Grunenberg (2001)
foi além, ao realizar uma meta-análise de pesquisas qualitativas
das áreas da educação e das ciências sociais com o
objetivo de verificar a qualidade da pesquisa qualitativa. O
resultado desta análise foi a criação de uma lista de critérios
de qualidade.
Agregando as considerações de Grunenberg (2001),
Mayring (2002), Miles e Huberman (1994), bem como
as de Steinke (2000), apresentamos os seguintes critérios
– formulados em termos de perguntas – para uma análise de
até que ponto uma pesquisa qualitativa pode ser considerada
de boa qualidade.
- As perguntas da pesquisa são claramente formuladas?
- O delineamento da pesquisa é consistente com o
objetivo e as perguntas?
- Os paradigmas e os construtos analíticos foram
bem explicitados?
- A posição teórica e as expectativas do pesquisador
foram explicitadas?
- Adotaram-se regras explícitas nos procedimentos
metodológicos?
- Os procedimentos metodológicos são bem docu mentados?
- Adotaram-se regras explícitas nos procedimentos
analíticos?
- Os procedimentos analíticos são bem documentados?
- Os dados foram coletados em todos os contextos,
tempos e pessoas sugeridos pelo delineamento?
- O detalhamento da análise leva em conta resultados
não-esperados e contrários ao esperado?
- A discussão dos resultados leva em conta possíveis
alternativas de interpretação?
- Os resultados são – ou não – congruentes com as
expectativas teóricas?
- Explicitou-se a teoria que pode ser derivada dos
dados e utilizada em outros contextos?
- Os resultados são acessíveis, tanto para a comunidade
acadêmica quanto para os usuários no campo?
- Os resultados estimulam ações – básicas e aplicadas
– futuras?
Consistente com os princípios tanto da pesquisa qualitativa
quanto da pesquisa quantitativa (i.e., validade), estes
critérios podem alcançar algum nível numa gradação qualitativa,
mas não valor numérico. Há de se lembrar que, sem
tais critérios, não existe diálogo entre resultados de pesquisa
– sejam estes de natureza qualitativa ou quantitativa. Sem
diálogo entre os resultados, não há como se chegar a uma
compreensão – no sentido de Dilthey – da natureza do ser
humano.
O capitulo Making good sense: Drawing and verifying
conclusions do livro de Miles e Huberman (1994) apresenta
uma análise mais detalhada da qualidade das pesquisas qualitativas.
Igualmente interessante é a discussão na revista online
“Forum: Qualitative Social Research” sobre a questão
da qualidade. Esta discussão foi iniciada por Reichertz em
2000 e seguida, em cada número subseqüente da revista, de
réplicas e tréplicas (em ordem de publicação: Breuer, 2000;
Huber, 2001; Kiener & Schanne, 2001; Breuer & Reichertz,
2002; Lauken, 2002; Fahrenberg, 2003; Rost, 2003; Breuer,
2003).

A Escolha entre a Pesquisa
Qualitativa e a Pesquisa Quantitativa
Inicialmente, devemos admitir que não concordamos
com a dicotomia de Dilthey quando afirmou “explicamos a
natureza, compreendemos a vida mental”. O ser humano e,
portanto, sua vida mental faz parte da natureza; desta maneira,
encontra-se em constante interface com a natureza.
Conseqüentemente, a ciência do ser humano e da sua vida
mental consiste em um esforço concomitante de explicar
e compreender. Mais enfaticamente, explicação e compreensão
dependem uma da outra, são impossíveis uma sem a
outra.
Para o processo de investigação científica, tal perspectiva
implica que o pesquisador, enquanto consumidor de
pesquisa, na fase da revisão de literatura, não se deve restringir
a resultados frutos de uma determinada abordagem,
ignorando ou, até, vilificando as demais, muitas vezes por
falta de conhecimento.
Enquanto participante do processo de construção de
conhecimento, idealmente, o pesquisador não deveria escolher
entre um método ou outro, mas utilizar as várias
abordagens, qualitativas e quantitativas que se adequam à
sua questão de pesquisa. Do ponto de vista prático existem
razões de ordens diversas que podem induzir um pesquisador
a escolher uma abordagem, ou outra.
Assim como é difícil ser fluente em mais de uma cultura
e língua, é igualmente difícil aproximar-se de um tema de
pesquisa a partir de paradigmas distintos. Turato (2004)
alerta para uma “lamentável indiferença à real não-harmonia
dos paradigmas” (p. 22), argumentando contra abordagens
que combinam métodos qualitativos e quantitativos.
Nós ressaltamos, entretanto, que uma abordagem mista não
necessariamente implica numa algaravia metodológica.
Um primeiro argumento em favor de um determinado
método está implícito no princípio da abertura (veja subitem
Coleta de dados), na escolha de um método adequado
para a pergunta que está sendo estudada. À medida que
perguntas de pesquisa freqüentemente são multifacetadas,
comportam mais de um método. Assim, uma segunda consideração,
obviamente, é a da competência específica do
pesquisador. Cabe ressaltar que tal competência deve incluir
a sabedoria quando for apropriado, de não realizar uma pesquisa
por extrapolar determinadas habilidades, ao invés de
modificar a pergunta em função da sua competência.
Considerações mais objetivas incluem recursos disponíveis:
quanto tempo existe para realizar a pesquisa e preparar
o relatório com os resultados? Que incentivos estão disponíveis
para contratar colaboradores e assistentes de pesquisa?
Quais os recursos materiais (gravadores, máquinas fotográficas,
filmadoras, computadores) existentes? Qual o acesso
à população a ser estudada?
Em suma, a questão não é colocar a pesquisa qualitativa
versus a pesquisa quantitativa, não é decidir-se pela pesquisa
qualitativa ou pela pesquisa quantitativa. A questão tem
implicações de natureza prática, empírica e técnica. Considerando
os recursos materiais, temporais e pessoais disponíveis
para lidar com uma determinada pergunta científica,
coloca-se para o pesquisador e para a sua equipe a tarefa
de encontrar e usar a abordagem teórico-metodológica que
permita, num mínimo de tempo, chegar a um resultado que
melhor contribua para a compreensão do fenômeno e para o
avanço do bem-estar social.

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MÉTODOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS NA ÁREA DA SAÚDE:
 DEFINIÇÕES, DIFERENÇA E SEUS OBJETOS DE PESQUISA

Interesses e realizações referentes a pesquisas qualitativas têm sido crescentes no
campo da saúde. Por conseqüência, tem havido maior demanda para os programas
de pesquisa institucional e para publicações nos periódicos científicos. Frente a esta
realidade, o presente artigo teve os seguintes objetivos: (a) apresentar definições de
métodos qualitativos usados nas Ciências do Homem e nas Ciências da Saúde; (b)
compará-los com os métodos quantitativos comuns das Ciências da Saúde; (c)
ilustrar o assunto com os constructos mais importantes nesses campos metodológicos.
São fornecidos critérios para julgar a pertinência do caminho percorrido pelos
pesquisadores qualitativistas, desde a elaboração do plano de pesquisa até a
interpretação dos resultados.
Tem-se deparado, de modo crescente, com interesses
e com realizações de pesquisas qualitativas no
campo da saúde. Em conseqüência, há uma maior
demanda na busca dos programas de pesquisa institucional,
assim como na procura de congressos acadêmicos
e periódicos científicos, respectivamente,
para viabilizar projetos e divulgar os resultados de
seus trabalhos. Na última década, as pesquisas qualitativas
tornaram-se bem aceitas pelos jornais médicos.
Porém, em épocas passadas, esses pesquisadores
tinham os manuscritos rejeitados devido aos trabalhos
serem considerados não-científicos. Era como
se consistissem apenas de histórias curiosas contadas
por pessoas sobre os eventos de suas vidas, sem preocupações
sistemáticas, isto é, como se aquelas fossem
de caráter anedótico.2
Hoje em dia, felizmente muitas revistas científicas
divulgam pesquisas qualitativas de modo habitual.
Por exemplo, a Revista de Saúde Pública, renomado
periódico brasileiro, possui até mesmo um roteiro de
avaliação de artigos qualitativos para seus consultores.
Atualmente, é fácil encontrar profissionais de saúde
que não somente dêem importância aos métodos
qualitativos na medicina, mas também reconhecem
sua ajuda para melhor compreender a vida dos pacientes.
Da mesma forma, uma quantidade crescente
dos próprios pesquisadores médicos está usando tais
métodos.2 Isso não significa, necessariamente, que
os métodos qualitativos estejam bem compreendidos
e utilizados por eles, pois alguns investigadores
apresentam seus relatórios qualitativos usando conclusões
do senso comum, entre outros problemas.
Frente a esses desafios, fazia-se necessário um artigo
tutorial que discutisse a metodologia da investigação
qualitativa, trazendo aos leitores suas mais importantes
definições. Complementarmente, tais definições
necessitariam ser comparadas com os clássicos
conceitos das pesquisas convencionais de campo
– tais como as epidemiológicas – e com outros procedimentos
de levantamentos científicos construídos
com mensurações e ferramentas matemáticas em geral.
E finalmente, o público acadêmico poderia melhor
discriminar os temas e constructos atualmente
mais procurados nesses campos metodológicos.
O objetivo preciso do presente texto é, portanto,
servir ao discernimento e ao aprofundamento sobre
a temática do método qualitativo, com um recorte
de objeto para empregá-lo no entendimento do
setting e do processo saúde-doença. Os alvos são os
leitores e os consumidores destas produções científicas
para terem maior clareza de critérios no julgamento
da pertinência do caminho percorrido pelos
pesquisadores qualitativistas, desde o plano de pesquisa,
passando pela coleta de dados, até a interpretação
dos resultados. Igualmente, o presente artigo
carrega o escopo de fornecer subsídios àqueles acadêmicos
que pretendem elaborar seus projetos de
investigação qualitativa, para que o façam no rigor
esperado para qualquer geração de conhecimentos
em ciência. Assim, seguem-se as definições concernentes,
um comparativo entre as metodologias quáli
e quânti; finalizando com uma diversificada lista
de elaborações conceituais, próprias dos vocabulários
de cada método.

Considere-se que o discurso das Ciências Naturais
– a Física, a Química, a Biologia e as numerosas ciências
derivadas, dentre elas as Ciências Médicas –
mescla-se com o entendimento dos métodos quantitativos
ou explicativos. Da mesma forma, a discussão
sobre as Ciências do Homem e da Cultura mistura-se
com a discussão sobre métodos qualitativos ou compreensivos.
O pensamento científico moderno, como
se sabe, nasceu há quase quatro séculos, com Galileu.
A ele se deve o legado de ter conferido autonomia à
Ciência, distinguindo-a da Filosofia e da Religião,
delimitando assim qual seria seu objeto, objetivo e
método (observação, experimentação e indução).8 A
ciência estabeleceu-se, desde então, no objeto específico
das coisas da natureza, ou seja, no estudo das
leis que enunciam as ligações dos fenômenos entre
si, enquanto a filosofia deveria ocupar-se das questões
ontológicas (do ser enquanto ser) e, por fim, a
religião manteria as chamadas verdades religiosas
como seu objeto.
Por sua vez, a história dos métodos qualitativos
ou compreensivos é mais recente. Há pouco mais de
um século, juntando-se com o início das idéias de
se criarem as Ciências Humanas, surgem em contraponto
às então já organizadas Ciências Naturais.
Com seus métodos qualitativos, a disciplina de Antropologia
desenvolveu a chamada etnografia, cuja
revolução ocorreu nos anos 20 com as publicações
de Malinowski.10 Esse antropólogo permaneceu alguns
anos convivendo com nativos da Oceania, observando
participativamente o que lá ocorria. A partir
deste fato, a história da ciência atribuiu-lhe o
pioneirismo na metodologia científica qualitativa,
já que ele procurou descrever sistematicamente
como havia obtido seus dados e como ocorria a experiência
de campo.
Primeiramente, entretanto, deve-se dar mérito a
Marx e a Freud por terem propiciado importantes
cortes epistemológicos para compreensões novas e
profundas do ser humano, permitido estudos científicos
autônomos para as Ciências Humanas. Esses
pensadores construíram escolas que, respectivamente,
ergueram o véu que oculta os mecanismos da Ideologia
atuante nos grupos da sociedade e tiraram a
máscara que esconde os mecanismos do Inconsciente
atuante no mundo psíquico dos indivíduos.4 Contribuíram
decisivamente para a sustentação da
cientificidade das Ciências Humanas, nas quais se
encontra o lócus da construção metodológica da pesquisa
qualitativa.

Metodologicamente, para explicar cientificamente
os fenômenos relacionados a drogadição, por exemplo,
pesquisadores utilizam psiquiatria, epidemiologia
ou farmacologia clínica. Mas para compreender o
que a dependência química significa para a vida do
doente, este é um tema para os investigadores qualitativistas,
que podem ser: o psicólogo, o psicanalista,
o sociólogo, o antropólogo ou o educador. Entretanto,
seria interessante que os próprios profissionais
de saúde pudessem empregar métodos qualitativos,
com a vantagem de que eles já trazem – devido a sua
experiência em assistência – as inerentes atitudes clínica
e existencial.14 Isso permitirá que eles realizem
ricos levantamentos de dados e façam interpretações
de resultados com grande autoridade.
Por outro lado, é decisivo que se trabalhe com
nitidez a concepção do método qualitativo de pesquisa,
pois não se convém imitar ingenuamente o
entendimento que se traz de outras abordagens investigativas.
Deve-se, assim, evitar assertivas destes
tipos: método de pesquisa que não lança mão de
recursos como números, cálculos de percentagem,
técnicas estatísticas, tabelas, amostras numericamente
representativas, ensaios randômicos, questionários
fechados ou escalas de avaliação. Tentar definir
pela via da negação não constitui obviamente uma
definição.14 Também não é o caso de dizer, como se
costuma concluir de modo intuitivo, que o método
qualitativo é usado para estudar a “qualidade” de
um objeto. No contexto da metodologia qualitativa
aplicada à saúde, emprega-se a concepção trazida
das Ciências Humanas, segundo as quais não se busca
estudar o fenômeno em si, mas entender seu significado
individual ou coletivo para a vida das pessoas.
Torna-se indispensável assim saber o que os
fenômenos da doença e da vida em geral representam
para elas. O significado tem função estruturante:
em torno do que as coisas significam, as pessoas
organizarão de certo modo suas vidas, incluindo seus
próprios cuidados com a saúde.
Não se confunda, no entanto, pesquisa qualitativa
nas Ciências Humanas e da Saúde com o usual
nas Ciências Naturais, as quais se ocupam de conduzir
estudos também chamados de qualitativos.
Nestas, o pesquisador fixa seu interesse em conhecer,
agora certamente, as “qualidades” físicas, químicas
ou biológicas de seu objeto de investigação.
Pesquisadores das Ciências da Natureza falam comumente
do emprego de métodos qualitativos ao se
ocuparem, como num exemplo das áreas biológicas,
na parasitologia médica, do objetivo de detectar
a presença ou não de protozoários num material
coletado para análises clínicas. Trata-se do termo
qualitativo, obviamente com significado próprio
dentro de seu modelo epistemológico-metodológico.
Para tanto, o pesquisador utilizará técnicas tais
como: coleta de material dentro de procedimentos
de obtenção precisa, acondicionamentos em recipientes
adequados, cuidados com a identificação do
material e sua análise em laboratório bem equipado.
Em suma, esse pesquisador terá estudado um
particular fenômeno da Natureza, em profundidade,
descrevendo-o em suas propriedades, fazendo assim
pesquisa qualitativa em Ciências Naturais.
Voltando para o contexto das Ciências do Homem
e da Saúde, transcreve-se inicialmente uma definição
genérica de métodos qualitativos apresentada
pelos sociólogos Denzin & Lincoln,6 habitualmente
citada na literatura: “Os pesquisadores qualitativistas
estudam as coisas em seu setting natural, tentando
dar sentido ou interpretar fenômenos nos termos das
significações que as pessoas trazem para estes”. A
mera leitura da definição acima pode ser insuficiente
para uma compreensão acurada ao leitor desacostumado
com a prática dessas pesquisas. Sublinha-se
novamente que, se não é diretamente o estudo do
fenômeno em si que interessa a esses pesquisadores,
seu alvo é, na verdade, a significação que tal fenômeno
ganha para os que o vivenciam.
Em palavras semelhantes, os educadores Bogdan
& Biklen1 pontuam: “[Os pesquisadores qualitativistas]
procuram entender o processo pelo qual as
pessoas constroem significados e descrevem o que
são estes”. Esses autores também tomam significado
como idéia-chave. Depreende-se que o pesquisador
qualitativista não quer explicar as ocorrências
com as pessoas, individual ou coletivamente, listando
e mensurando seus comportamentos ou correlacionando
quantitativamente eventos de suas vidas.
Porém, ele pretende conhecer a fundo suas vivências,
e que representações essas pessoas têm dessas
experiências de vida.
Por sua vez, organizando uma definição detalhada
de métodos qualitativos, as enfermeiras Morse &
Field,12 assim os caracterizam: “Indutivos,
holísticos, êmicos, subjetivos e orientados para o
processo; usados para compreender, interpretar, descrever
e desenvolver teorias relativas a um fenômeno
ou a um setting”. Embora as autoras procurassem
ser abrangentes em sua definição, infelizmente deixaram
de fora os termos significado/significação.
No seu alvo amplo, no entanto, ganha força a palavra
teoria que implica que o método qualitativo é
não é apenas um modo de pesquisa que atende a
certas demandas. Ele tem o fim comum de criar um
modelo de entendimento profundo de ligações entre
elementos, isto é, de falar de uma ordem que é
invisível ao olhar comum. Saliente-se ainda o termo
processo, aqui particularmente rico, caracterizando
o método qualitativo como aquele que quer entender
como o objeto de estudo acontece ou se manifesta;
e não aquele que almeja o produto, isto é, os
resultados finais matematicamente trabalhados.
Por sua vez, o raciocínio indutivo é relativo ao fato de
que estes pesquisadores se fundamentariam sobre
os dados de campo, estudando individualidades a
fundo e colecionando informações que, paulatinamente,
desembocariam na construção de uma teoria
densa e plausível. Êmico quer dizer que a interpretação
do cientista há de ser feita na perspectiva dos
entrevistados e não uma discussão na visão do pesquisador
ou a partir da literatura. Deve-se principalmente
trazer conhecimentos originais e não se fixar
em confirmar as teorias já existentes, pois assim a
ciência não avança.
Privilegiando, a seu turno, uma definição estrutural
e com objetivos contemplando a visão sociológica,
Minayo,11 aponta as metodologias qualitativas
como: “[...] aquelas capazes de incorporar a questão
do significado e da intencionalidade como inerentes
aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo
essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto
na sua transformação, como construções humanas significativas”.
Novamente o termo significado ganha
presença, neste contexto com interesse pelas estruturas
sociais, procurando conhecer o querer-dizer das
estruturas para os sujeitos sob estudo.
Por fim, apresenta-se a definição do método clínico-
qualitativo, uma particularização e um refinamento
dos métodos qualitativos genéricos das Ciências
Humanas, porém voltado especificamente
para os settings das vivências em saúde: “Aquele
que busca interpretar os significados – de natureza
psicológica e complementarmente sociocultural –
trazidos por indivíduos (pacientes ou outras pessoas
preocupadas ou que se ocupam com problemas
da saúde, tais como familiares, profissionais de saúde
e sujeitos da comunidade), acerca dos múltiplos
fenômenos pertinentes ao campo dos problemas da
saúde-doença”.13
Nesse particular método, o pesquisador é chamado
a usar um quadro eclético de referenciais teóricos para
redação de seu projeto e para a discussão dos resultados,
sempre no espírito da interdisciplinaridade. Todo
o empreendimento deve ser sustentado por três pilares,
que funcionam como características demarcadoras
e consistem das seguintes atitudes: existencialista,
clínica e psicanalítica. Essas propiciam, respectivamente:
uma postura de acolhida das angústias e ansiedades
inerentes do ser humano; uma aproximação
própria de quem habitualmente já trabalha na ajuda
terapêutica; e a escuta e a valorização dos aspectos
psicodinâmicos mobilizados sobretudo na relação
afetiva e direta com os sujeitos sob estudo.Esse método
tem-se provado adequado em pesquisas qualitativas
já realizadas no campo da saúde.3,5,7

Primeiramente, o interesse do pesquisador volta-se
para a busca do significado das coisas, porque este
tem um papel organizador nos seres humanos. O que
as “coisas” (fenômenos, manifestações, ocorrências,
fatos, eventos, vivências, idéias, sentimentos, assuntos)
representam, dá molde à vida das pessoas. Num
outro nível, os significados que as “coisas” ganham,
passam também a ser partilhados culturalmente e assim
organizam o grupo social em torno destas representações
e simbolismos. Nos settings da saúde em
particular, conhecer as significações dos fenômenos
do processo saúde-doença é essencial para realizar as
seguintes coisas: melhorar a qualidade da relação
profissional-paciente-família-instituição; promover
maior adesão de pacientes e da população frente a
tratamentos ministrados individualmente e de medidas
implementadas coletivamente; entender mais profundamente
certos sentimentos, idéias e comportamentos
dos doentes, assim como de seus familiares e
mesmo da equipe profissional de saúde.
Segunda propriedade do método: o ambiente natural
do sujeito é inequivocamente o campo onde
ocorrerá a observação sem o controle de variáveis.
Terceiro ponto: o pesquisador é o próprio instrumento
de pesquisa, usando diretamente seus órgãos do
sentido para apreender os objetos em estudo, espelhando-
os então em sua consciência onde se tornam
fenomenologicamente representados para serem interpretados.
Quarto atributo: o método tem maior força
no rigor da validade (validity) dos dados coletados,
já que a observação dos sujeitos, por ser acurada,
e sua escuta em entrevista, por ser em profundidade,
tendem a levar o pesquisador bem próximo da essência
da questão em estudo. Quinta característica: se a
generalização não é a dos resultados (matematicamente)
obtidos, pois não se pauta em quantificações
das ocorrências ou estabelecimento de relações causa-
efeito, ela se torna possível a partir dos pressupostos
iniciais revistos, ou melhor, dos conceitos construídos
ou conhecimentos originais produzidos. Caberá
ao leitor e consumidor da pesquisa usá-los para
examinar sua plausibilidade e utilidade para entender
casos e settings novos.
Com finalidade didática, é relevante traçar os perfis
comparativos entre as características das metodologias
quáli e quânti aplicadas ao campo da saúde. Na
Tabela 1, o leitor contemplará os níveis conceituais de
ambas as metodologias, iniciando por qual atitude científica
se deve ter quando utilizado um ou outro método.
Vê-se também a força maior de cada método
(reliability versus validity), assim como qual deveria ser
 o real recorte do objeto eleito para investigação em
uma e outra estratégia metodológica; e finalmente,
identificar as dessemelhanças quanto ao desenho do
projeto e aos tipos de instrumentos usuais para cada
pesquisa. Ponto crítico é mostrar as distinções existentes
na técnica de amostragem e o perfil da amostra de
sujeitos. A análise dos dados mostra que são diferentes
os caminhos de lapidação daquilo que foi coletado
em ambos os métodos. Por fim, há de se clarear o que
são as conclusões, de fato, de um e de outro método,
com o conseqüente trabalho de desfazer os nós quanto
à generalização realmente possível e pretendida pelo
método quantitativo e pelo qualitativo.

Essa importante tábua de dissimilitudes mostra que
os métodos têm identidades próprias, do momento
em que seus autores levantam as perguntas (hipóteses
de trabalho) até quando redigem seus relatórios finais
de pesquisa. A complexidade de cada empreitada
e, sobretudo, as construções epistemológicas
autônomas desautorizam grande parte das pesquisas,
que se auto-intitulam como “quanti-quali”, a continuar
apresentando-se ao meio acadêmico por meio
deste presumido modelo misto. Na realidade, muitos
dos trabalhos assim denominados são apenas de construção
quantitativa, já que encaixar simples citações
literais de falas de sujeitos, que responderam a questionários
previamente padronizados, não configura
legitimamente a existência de uma reivindicada simultaneidade
com pesquisa qualitativa.

Encerrando o presente artigo, advêm as Tabelas 2
e 3, aspirando codificar, respectivamente, os construtos
mais comuns usados nas pesquisas qualitativas
e quantitativas. Em apreciação panorâmica e
comparativa de ambos os quadros, é esperado que o
leitor se aproprie da capacidade de distinguir os
enquadres da saúde a que se reservam ambos os
métodos. Na coluna da direita, ao explicitar como
cada concepção se constitui, foram empregadas definições
bem estabelecidas na literatura da epidemiologia9
e/ou bem tipificadas como descritores nas
ciências da saúde.15

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PESQUISA QUALITATIVA
BUSCA DE EQUILÍBRIO ENTRE FORMA E CONTEÚDO
Pedro Demo*
Este artigo apresenta uma descrição da mudança de expectativa no que se refere à pesquisa qualitativa através da
evolução da pós-modernidade. Enfoca a qualidade sob vários aspectos apontando os usos e abusos na pesquisa qualitativa.

UNITERMOS: pesquisa, pesquisa qualitativa Algumas evoluções da pós-modernidade em
ciência trouxeram certa mudança de expectativa com respeito à pesquisa qualitativa25,32. Podemos, a título de
sistematização preliminar, distinguir três fases da discussão:

a) na tradição positivista, pesquisa qualitativa não fazia muito sentido, pela própria exclusão da dialética como
método importante da reconstrução do conhecimento; tomando as ciências exatas e naturais como modelo
paradigmático, as ciências sociais teriam como desafio intrínseco absorver as mesmas regras; o próprio marxismo ortodoxo não escapou disso, quando exagerou na dose do materialismo histórico e dialético, selecionando, na realidade, de preferência a manifestação material29;

b) a introdução dos métodos qualitativos veio como reivindicação das ciências sociais e humanas,
inconformadas com a .ditadura do método., que assumia como real apenas o que cabia no método, em vez de privilegiar a relação contrária: o método de captação da realidade deve subordinar-se às marcas da realidade; também sob a influência de discussões acaloradas em torno da fenomenologia e da hermenêutica, começou-se a falar de método qualitativo, que, de princípio, não tinha nada de mais específico, a não ser a reação contra a imposição quantitativista; com o tempo, surgiram propostas mais concretas, que passaram pela pesquisa participante, pesquisa-ação, história oral, até a atual etnometodologia17,20,90;

c) atualmente, o debate segue outros rumos, além dos já aludidos, por conta de questionamentos radicais que a metodologia científica pós-moderna vem fazendo aos paradigmas anteriores; pelo menos em certa medida, as pretensões das ciências sociais e humanas estariam ganhando terreno, à medida que os métodos matemáticos e naturais cedem às dificuldades notórias de captar fenômenos mais qualitativos, geralmente visualizados sob a ótica do caos estruturado, não-linearidade e complexidade da realidade, não-equilíbrio, etc.

A INSTABILIZAÇÃO DA CIÊNCIA
Para sermos justos, o fenômeno da instabilização da ciência se deu no próprio seio do positivismo, tendo
como um dos precursores maiores, Hume, e expoente consagrado, Popper, com sua tese da falsificabilidade
como critério de cientificidade. A ciência sempre se quis como adversária da dúvida, mas só progride porque é duvidosa. Sendo seu signo principal a capacidade de questionar persistentemente, o questionamento só faz
sentido num contexto de dúvida e inovação29,73,75. Um autor importante nesta história foi Habermas,
quando definiu verdade como .pretensão de validade., mesmo ligado, em grande parte ainda, à visão
transcendentalista de Kant, que admite verdades independentes de espaço e tempo, inclusive no campo
da moral46. A instabilização da ciência tem duas origens mais claras:

a) uma origem lógico-formal, com base na impossibilidade de produzir uma argumentação final para
qualquer discurso científico; este reconhecimento ficou ainda mais estabelecido com o teorema de Gödel, e
retratado com veemência e grande dose de ironia na tese pós-moderna de Lyotard, segundo a qual a ciência é circular, porque fundada em metanarrativas que não * Professor Titular da Universidade de Brasília. PhD em Sociologia Rev.latino-am.enfermagem - v. 6 - n. 2 - p. 89-104 - abril 1998 90 conseguem fundamentar-se a si mesmas57; com efeito, toda teoria supõe conceitos prévios, hermeneuticamente válidos, ou seja, em qualquer definição somos obrigados a usar termos não definidos;

b) uma origem política, porquanto toda pretensão de validade acaba valendo, se puder ser consensuada dentro de um contexto de discussão aberta; em certa medida, democracia do questionamento passa a fazer parte dos critérios de cientificidade, mas em estreita combinação com os lógicos; um discurso será tanto melhor questionável, quanto mais bem elaborado for, em termos formais. À diferença de Popper, que instabiliza a ciência por razões apenas lógicas - é impossível logicamente buscar fundamentação última dedutiva, bem como toda indução acarreta uma regressão ao infinito por não poder observar todos os casos concretos possíveis -, Habermas acrescenta o argumento histórico, admitindo que a ciência é o produto da atividade dos cientistas, não algo desencarnado, embora deva sempre ter marcas formais inequívocas. Usa em sua argumentação, buscada em Apel, a figura da .contradição performativa., segundo a qual não se pode desfazer, no discurso, a própria possibilidade do discurso. Assim, se admitirmos que o questionamento
é a alma da ciência, não é viável imaginar um questionamento inquestionável24. Embora este argumento seja apenas relativo, porque, como toda asserção lógica, não tem fundação última ou incorre em contradições circulares, além de negligenciar o contexto histórico, reforçou um princípio fundamental da pós-modernidade, que é o ímpeto desconstrutivo do conhecimento, razão maior de sua voracidade inovadora. Só pode ser científico, o que for questionável, formal e politicamente. O conhecimento é tão inovador hoje, porque
estabilizou sua instabilidade no plano do método. Ou seja, inova porque saber inovar-se. Não é como, por
exemplo, a universidade, que fala de inovação e até mesmo se define como instituição a ela dedicada, mas
não sabe inovar-se, permanecendo a mesma velharia secular. Não há como inovar, permanecendo o mesmo. O ímpeto desconstrutivo do conhecimento não significa,  de modo algum, coisa boa, pois agride a tessitura
hermenêutica da história e do ser humano, culturalmente plantado. Não podemos nos desfazer todo dia, para nos inventar de novo, como se não houvesse história. Entretanto, não é viável inovar, sem nos desconstruirmos pelo menos em certa medida. Este desafio a universidade não está sabendo deglutir, e por isso vai se tornando uma entidade de resistência, cada vez mais fora do tempo, enquanto o mercado está se dando bem com o conhecimento33,82. A competitividade alimenta-se da produção e uso intensivo do conhecimento, residindo nisso o diferencial de desenvolvimento entre os povos.

Com base em conhecimento - ou na mais-valia relativa, na linguagem marxista89 - é possível produzir melhor e mais barato, mesmo que às custas do emprego. O desemprego estrutural é resultado direto do conhecimento desconstrutivo e inovador. O conhecimento inovador, de ponta, está fugindo da universidade, porque esta não sabe desconstruir-se, ou seja, inovar e educar a inovação. O mercado fica apenas com a qualidade formal, enquanto a universidade deveria agregar a qualidade política, sobretudo porque esta é o fim e a ética do conhecimento.

A instabilização da ciência obteve impulso da interdisciplinaridade. Este teve também duas origens
principais:

a) uma origem no método, sobretudo na especialização metodológica, que leva a saber cada vez mais de cada vez menos; ao final, temos o .idiota especializado., tornando-se o mundo científico um circo ininteligível,
por conta das linguagens particulares e as compartimentalizações acadêmicas; não se trata apenas
da difícil compreensão dos discursos, mas sobretudo do fechamento disciplinar, que produz uma espécie de
.cegueira., como quer Morin, à medida que, olhando somente para certa coisa, não consegue ver nada mais
além disso67,68;

b) uma origem na complexidade do real, reconhecendo que a realidade é mais complexa do que as simplificações metodológicas usadas em sua captação; isto levou a reclamar a organização interdisciplinar de grupos de pesquisadores, buscando um meio termo entre especialidade - sempre inevitável para ser a análise
profunda - e compreensão de uma realidade que nunca é especial, mas apenas complexa. Alguns bestsellers na esfera dos estudos da inteligência empurraram bastante a discussão, chamando a atenção, por exemplo, para a importância da emoção e do sentimento. Gardner defende as .inteligências múltiplas. e combate o tipo de mensuração implicado no QI, que privilegia apenas o domínio formal-lógico do pensamento. Goleman e Damásio procuram ultrapassar o more geometrico de estilo cartesiano, incluindo na razão também o que seria pelo menos tão característico do ser humano quanto a racionalidade, a emoção. Todos estes
autores praticam uma pesquisa intensamente interdisciplinar, englobando a investigação biológica
clássica ao lado de todas as implicações tipicamente hermenêuticas das ciências humanas19,38,43.
As discussões mais acaloradas, entretanto, provêm da física e da biologia, seja pela via das teorias
do caos e da não-linearidade matemática, seja pela via da reação construtiva nos seres vivos em geral. Tem realce Prigogine, que, entre outras novidades, passa a aceitar na matéria certa noção de tempo e irreversibilidade, concedendo que a criatividade - sempre vista como monopólio humano - também é componente da matéria, pelo menos em certas circunstâncias. O mundo está em formação. Logo, não é totalmente formalizável e sua evolução não pode ser prevista matematicamente.

Uma .teoria de tudo. é impraticável. O paradigma muda de direção: em vez de explicar a desordem sobre um pano de fundo de ordem, a ciência precisa explicar como é possível a ordem no caos6,66,78. Maturana inaugurou na biologia o conceito de .autopoiesis. - autoformação - para indicar a característica de todo ser vivo de poder reagir, em seu meio, de maneira reconstrutiva, e não apenas passiva, como estaria dito no .reflexo condicionado.. Talvez tenha sido esta a contribuição mais forte contra a tradição
escolar do .treinamento., em apoio às teses de Piaget, por exemplo61,62. A aprendizagem passou a ser vista como marca eminente do ser vivo, sobretudo do ser humano, e implica sempre um esforço reconstrutivo.

Muitas das críticas feitas hoje à aula meramente expositiva, à atitude professoral de falar diante de um aluno que escuta, toma nota e faz prova, provêm dessa visão confirmada na biologia. O aluno somente aprende se pesquisa e reconstrói conhecimento com mão própria, tendo no professor o exemplo de quem aprende bem, não de quem apenas dá aula.
O LEGADO FORMAL
Toda esta discussão, entretanto, não destruiu o legado formal da ciência, como se fosse possível fazê-la
sem lógica. Apenas o colocou sob outra luz. A primeira conclusão foi ter de aceitar que a ciência é apenas um olhar sobre a realidade, e nem sempre o mais adequado. Boaventura dos Santos trabalhou esta
perspectiva com base na ruptura epistemológica de Bachelard, mostrando uma artificialidade típica do
conhecimento e pleiteando a volta do conhecimento para o bom senso e mesmo para o senso comum, que são, afinal de contas, o conhecimento que orienta as pessoas no cotidiano84. A segunda conclusão foi a de reconhecer que tal seletividade metodológica pode facilmente reinventar a .ditadura do método. sobre a realidade, considerando real apenas o que cabe no método de captação. Na prática,a ciência se interessa pela face formalizável da realidade, expurgando tendencialmente as outras. Por isso mesmo, quando quer .medir. a inteligência, seleciona nela indicadores quantificáveis, de preferência a outros.

A terceira conclusão foi a de reconhecer ademais que o legado formal não poderia, pelo menos por
enquanto, ser abandonado. A ciência abusou dele, mas lhe é parte essencial. Neste sentido, destaca na realidade as manifestações mais facilmente formalizáveis, o que já traz um prejuízo claro frente ao que costumamos chamar de qualidade. O legado formal é, assim, virtude e vício ao mesmo tempo.
É vício, por tender a distorcer a realidade, na proporção em que compreende melhor o que é sistematizável logicamente. É virtude, porque consegue captar com grande proficiência as faces formais. O progresso da ciência é algo inegável e fantástico.

Por conta disso, Prigogine fala de caos .estruturado., já que uma realidade propriamente caótica é inatingível pela ciência. Somente se compreende aquilo que puder ser minimamente sistematizado, ou seja, se
não houver no fenômeno nada que tenha perfil lógico, sistemático, recorrente, pelo menos regular, não pode ser abordado cientificamente. Por isso mesmo, a ciência trabalha melhor quantidades do que qualidades. Estas estão definitivamente reconhecidas, e são, de novo, moda, mas são mais complicadas de serem manejadas pela pesquisa científica. Convém, desde logo, fazer uma distinção importante. A resistência que a pesquisa científica manifesta frente a realidades qualitativas não precisa ser apenas tradicionalismo positivista. No fundo, é uma resistência natural, que advém de sua tessitura formal lógica. Quando os novos pesquisadores da inteligência buscam, sofregamente, realçar a emoção, por exemplo, enfrentam dificuldades oriundas da formalidade científica, que, de virtude, pode virar defeito, ao amarrotar faces essenciais, mas menos formais, dos fenômenos.

Mesmo assim, nos fenômenos mais voláteis, dispersos,
contraditórios, fragmentários etc., a ciência parte sempre
para visualizar neles o que houver de formalizável, antes
de mais nada. Também por isso, a qualidade é captada na
contra-luz de expressões quantitativas, ou na greta dos
dados23.
Temos na história da ciência exemplos relevantes,
sobretudo a descoberta de Freud de que os sonhos,
aparentemente caóticos e assim considerados por muitos,
são sistematizáveis, desde que se faça uma análise em
profundidade. Assim, sonho não é um monte incoerente
de coisas, mas um caos estruturado. A ciência não sabe o
que fazer daquilo que é propriamente caótico, mas começa
a entender o caos, se descobrir nele alguma estrutura.
Marx também pode servir de exemplo, em seus
momentos mais ortodoxos, quando procurou secundarizar
a super-estrutura, composta de ideologias, vontades,
consciências, em favor da infra-estrutura material, e que
seria, por sinal, mais devassável cientificamente59. Este
vento .positivista. é inegável em obras da velhice e é à
base dele que imaginava estar descobrindo .as leis da
história. e que, como diz no prefácio do 1º volume de O
Capital, seriam .férreas., para sinalizar que determinam
a história, como uma causa física determina um efeito
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físico. Nisto via sua cientificidade. Althusser inventou, à
sombra dessa visão, o anti-humanismo de Marx, para
dizer que, ao analisar a realidade, não contava a
consciência humana, mas a determinação material
objetiva. E Lévi-Strauss sempre considerou Marx seu
precursor, porque deu maior importância à inconsciência,
do que à consciência, e por, conseqüência, à intervenção
humana histórica29.
Este tipo de consideração parece decisivo, porque
é preciso desfazer a banalização recorrente na pesquisa
qualitativa frente aos desafios da formalização científica.
Por exemplo, é comum ouvir-se que método já não seria
muito importante, até porque vai se inventando pelo
caminho. A par da incoerência de não perceber que falta
de método também é um deles, porque é inviável fazer
sem um modo de fazer, perde-se de vista aquilo que a
ciência sabe propor melhor, ou seja, traduzir uma
realidade em suas formalidades possíveis.
Dentro desse contexto, também já não cabe
combater a quantidade, porque é parte constituinte de
qualquer qualidade, e vice-versa. Dito de outra forma,
toda qualidade, por mais volátil que seja, admite alguma
formalização, e é isto que a ciência poderá oferecer de
útil. Na pesquisa qualitativa também é mister saber definir
termos, precisar a hipótese de trabalho** como roteiro
reconstrutivo abertamente direcionado, construir bases
teóricas, selecionar relevâncias, e assim por diante, todas
atividades no fundo lógico-formais. Caso contrário,
vendemos a pesquisa qualitativa como diletantismo e, na
prática, incompetência metodológica.
Dito isto, cabe destacar a intenção própria da
pesquisa qualitativa, que é perseguir faces menos
formalizáveis dos fenômenos, às quais damos o nome de
qualidade. Um dos problemas mais agudos dessa questão
é a indefinição de qualidade, já que nela cabe tudo e nada,
ao sabor de qualquer coisa, tornando as pesquisas
qualitativas experimentos excessivamente tópicos e
inconclusivos. O .fim das certezas., como quer Prigogine,
ou as .ciências do impreciso., como quer Moles, não
lançam sobre o conhecimento um .vale-tudo., como se
qualquer discurso pudesse, agora, tornar-se científico por
auto-decreto. Ao contrário, isto torna o métier científico
tanto mais árduo, por conta da fragilidade intrínseca de
sua argumentação. Se foi um ganho enorme o
reconhecimento de que a verdade também é processo
histórico de construção e desconstrução humana, continua
de pé que não é factível o argumento bem posto sem perfil
lógico. É mister combinar bem lógica e democracia, e
não sacrificar uma à outra, conservando ademais que
qualidade política é fim, enquanto a formal é meio72.
DEFININDO TENTATIVAMENTE QUALIDADE
Buscamos aqui apenas definir preliminarmente
o conceito de qualidade, com o objetivo de ultrapassarmos
dois problemas:
a) de um lado, a definição exclusivamente negativa, que
somente diz o que qualidade não é (não é quantidade);
b) de outro, o ambiente de penumbra conceitual em que
comumente é tomado.
Com efeito, na maioria das vezes assumimos
qualidade como aquela dimensão . essencialmente vaga
. que representaria o contrário de quantidade, ou que
estaria além da quantidade. Outras vezes, toma-se o
conceito como evidente, sobretudo após o modismo da
.qualidade total.41,42. De nossa parte, consideramos
complexo definir adequadamente o conceito de qualidade,
não só porque nenhum conceito é evidente, mas sobretudo
porque assinala dimensões da realidade que são tão
essenciais, quanto imprecisas. Ninguém duvida que
qualidade existe, tanto porque o horizonte material nunca
é tudo, embora muitos julguem ser o principal, quanto
porque fazem parte da experiência comum horizontes que
desbordam o mundo quantitativo, como felicidade, ética,
compromisso político, etc. Todavia, é muito difícil dizer
- positivamente - o que, afinal, é qualidade.
Por outra, não faz sentido apostar na dicotomia
entre quantidade e qualidade, pela razão simples de que
não é real. Pode-se, no máximo, priorizar uma ou outra,
por qualquer motivo, mas nunca para insinuar que uma
se faria às expensas da outra, ou contra a outra. Todo
fenômeno qualitativo, pelo fato de ser histórico, existe
em contexto também material, temporal, espacial. E todo
fenômeno histórico quantitativo, se envolver o ser
humano, também contém a dimensão qualitativa. Assim,
o reino da pura quantidade ou da pura qualidade é ficção
conceitual. A própria .qualidade total. está enredada
nesta trama complicada. É comum bastar-se com
quantidades insatisfatórias, como cursos que não vão além
de treinamentos, por vezes relâmpago. Como é comum
aceitar qualidade como certas .lavagens cerebrais., que
** A prevenção comum entre pesquisadores qualitativos contra .hipótese de trabalho. como se fosse ardil positivista, já denota a
unilateralidade de posição. Hipótese de trabalho é componente útil de todo processo de pesquisa, quantitativa ou qualitativa, e
indica apenas um lançamento prévio e sempre aberto de roteiro de trabalho. De modo algum está necessariamente implicado
positivismo em quem usa este conceito, como também não está implicada posição revolucionária em quem usa a dialética. Na
prática, a maioria dos que se dizem dialéticos não saberia definir o que é dialética e sobretudo de que dialética se trata
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cultivam encontros muito emocionalizados, cujo
resultado principal é o adesismo. .Fazer a cabeça., por
exemplo, será competência de quem se impõe, mas é
sempre incompetência de quem aceita.
A) Aproximações categoriais
Num primeiro passo, podemos apelar para a
etimologia latina: em latim, qualitas significa a essência.
Assim, qualidade designa a parte essencial das coisas,
aquilo que lhe seria mais importante e determinante. Se
olhássemos ainda para o legado filosófico aristotélico, a
distinção entre matéria e forma destaca, na forma, aquela
dimensão imaterial dos seres e que, nos seres humanos,
seria imortal. A forma é a definição central, enquanto a
matéria seria algo circunstancial, temporal, provisório36.
Neste sentido, qualidade aponta para a marca
central das coisas e dos seres, aquilo que não se consome
no tempo, que fica para sempre, que decide o que algo é
definitivamente. Esta visão ainda é certamente vaga,
porque é muito complicado decifrar o que .algo é
definitivamente.. Quando se fala em essência, temos
talvez a certeza de que se trata de coisa muito relevante,
mas, ao mesmo tempo, não sabemos muito bem o que é.
Num segundo passo, qualidade aponta para a
perfeição historicamente possível sobretudo do ser
humano ou da história. Nesta maneira de ver, já
abandonamos a aplicação do conceito a tudo, reservandoo
para o fenômeno histórico, e sobretudo ao fenômeno
humano. Ao mesmo tempo, não sendo perfeição apenas
algo dado, mas principalmente construído na história,
trata-se de apanhar aqueles fenômenos que representariam
conquistas históricas consideradas desejáveis ou que
expressam realização humana relevante.
Tratando-se de história, não há perfeição, já que
não tem história o que é perfeito. Condição para ser
histórico, é ser perfectível. Neste sentido, quando falamos
de perfeição, assinalamos basicamente o esforço histórico
para realizar uma história sempre mais perfeita, desejável,
solidária, participativa, etc. Neste sentido, qualidade é
sobretudo participação, se aceitarmos que a história
participativa seja aquela que mais próximo chega da
sociedade desejável. Talvez pudéssemos até aventar que
participação poderia ser sinônimo de qualidade21.
Tal contexto nos permitiria trabalhar também
com o conceito de utopia, no sentido de construção
humana negativa que faz parte da realidade. Como o
próprio termo indica, utopia não se realiza. Utopia
realizada já não é. Entretanto, faz parte da realidade como
dialética do contrário, ou seja, como fonte perene da
crítica contra aquilo que se tornou real. Frente às
esperanças absolutas da utopia, o que a história oferece é
sempre pouco e, por conseqüência, cabe sempre a
revolução. Tomando um exemplo concreto: a utopia do
socialismo representa aquela sociedade perfeita que, por
definição, não pode acontecer; entretanto, é por conta
desta perfeição impossível que podemos criticar e superar
todos os socialismos reais, na certeza de que nenhum deles
esgota a utopia do socialismo. Por isso, diz-se que, quem
não tem utopia, morreu, já que se contenta com o que
tem, ou com o que a história conseguiu realizar.
Qualidade representaria a utopia da história, no
sentido daquilo que de melhor o ser humano nela poderia
realizar. Olhando a história concreta, não seria difícil
apontar que participação será um desses fenômenos que
representaria esta utopia5,34. Pode ser traduzida como
comunidade, democracia, associativismo, irmandade,
solidariedade, etc., fenômenos marcados pela igualdade
das pessoas, ou pela equalização das oportunidades, ou
pela inclusão de todos. A história conhecida jamais
realizou uma sociedade dotada desta perfeição, e mesmo
assim persiste, de modo teimoso e insistente, a utopia da
igualdade, por exemplo. Muitos diriam que a
desigualdade social é algo histórico-estrutural, porque
faz parte estrutural da história54. Como estrutura, aparece
em toda história. Como história, pode ser mudada em
cada história. Exatamente este dinamismo dialético faz a
história como unidade de contrários29.
Ao mesmo tempo, falando de perfeição, existe
sempre o outro lado, da imperfeição. Haveria, pois, uma
maneira de realizar as coisas de modo mais e menos
perfeito, o que poderia ajudar a localizar melhor o que
seria qualidade. Assim, existe educação com e sem
qualidade, designando, no lado negativo, maneiras
indesejáveis, inaceitáveis, imperfeitas de educar, e, no
lado positivo, maneiras consideradas adequadas, criativas,
convincentes. No lado negativo, teríamos .deseducação.
a título de educação, como é o caso do baixíssimo
rendimento escolar no Brasil. No lado positivo, teríamos
a realização mais convincente daquilo que seria a essência
da educação, como a emancipação, a formação da
competência humana na história, a cidadania25,27,28.
Num terceiro passo, qualidade sinaliza o
horizonte da intensidade, para além da extensão.
Significa outra dimensão fundamental de fenômenos
qualitativos que é sua busca de profundidade e plenitude.
Corre-se, certamente, o risco também de, de novo,
inventar uma dicotomia entre os dois termos, o que não é
real12,44,45,65. Se tomarmos o problema dialeticamente,
quando dizemos que algo é o contrário, estamos ipso facto
apontando para um todo com duas faces. Não se trata de
coisas contraditórias, ou seja, que não admitem dinâmica
entre elas. Trata-se exatamente do oposto: somente coisas
contrárias são dinâmicas, porque existem na polarização.
Assim, se dizemos que intensidade é o contrário de
extensão, não estamos dizendo que uma exclui a outra,
mas que há entre elas uma dinâmica contrária, de teor
tipicamente dialético22,29.
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Por conta disso, pode-se armar com os dois
termos um quadro bem representativo da realidade
histórica, na medida que intensidade denota dimensões
tais como:
a) fenômenos que não se esgotam no superficial, mas
marcam-se pela profundidade, como o amor;
b) fenômenos que reagem à rotina extensa e, por isso,
buscam renovar-se sempre, como a felicidade;
c) fenômenos que primam pela dinâmica do
compromisso, como é o engajamento político, ou a
militância;
d) fenômenos que indicam a plenitude da realização
humana, como é a santidade;
e) fenômenos que valorizam participação humana, mais
que a mera presença física ou quantitativa, como é o
envolvimento comunitário, a democracia, a cidadania;
f) fenômenos que apontam para dimensões valorativas
do ser humano1, como a dedicação, a ética, a abnegação,
o envolvimento, a prestatividade, a solidariedade, etc.
A intensidade aponta para a dimensão do melhor,
enquanto a extensão se volta para o maior. Ter mais ou
ser melhor por vezes representam uma disjuntiva, que,
na prática, deveria ser um todo: quantidade a serviço da
qualidade, ou como condição material de qualidade. A
sabedoria da felicidade está em transformar o passamento
extenso em passagem intensa. Pois nenhuma solução é
total, e o homem como problema não tem solução, pois
não é defeito, mas modo de ser. Nisto precisamente é
desafio, pretensão, ânsia, afã. A história é passageira, mas
em cada fase não acaba; ao contrário, continua. Continua
sempre, não porém como continuidade contínua, mas
como eterno recomeço. No plano formal, algo
contraditório. Na história real, apenas contrário. Toda
superação é também recomeço. Não há solução final e
definitiva, pelo que não se pode imaginar felicidade
eterna, que já seria extensão da monotonia.
Ao se vencer um desafio, vem o próximo; ao se
realizar um ideal, surgem outros. Continuidade extensa
é a morte. A morte é a extensão mais monótona que a
história conhece. Se toda revolução, de um lado,
envelhece, a partir de dentro, como regra da vida, por
outro, aí mesmo elabora seu recomeço60,76. Pois todo
clímax é passageiro, por mais que o desejemos eterno.
Eternidade não vem compreendida como continuidade
da mesmice, na horizontalidade estável, mas como auge
da intensidade. Verticalmente eterno é o momento total,
não por durar sempre, mas por buscar esgotar a
profundeza da intensidade no momento da passagem. É
o momento que vale tudo, tão intenso que é possível
.morrer de felicidade.. A vida toda vale este .instante
total.. Na história, não interessa a eternidade como linha
reta, sempre a mesma, formal e fria, mas a curva dinâmica
em busca do ápex. Este é apenas o momento mais alto .
um só ., mas define seu alcance. A felicidade realiza os
dois momentos marcantes de sua intensidade: a passagem
pelo clímax . intenso e efêmero . e a seguir o recomeço
da nova fase. Por isso o momento profundo é o autêntico
processo, como processo de recomeço, onde a passagem
não se pulveriza na insignificância, mas se eterniza na
violência da intensidade. Qualidade não é sólida; é
frágil. Não tem resistência dura daquilo que se petrifica.
É passageira, para retornar. Recriar é seu signo. Só se
recria, o que passa. O melhor é sempre mais passageiro.
A vida tem sua sabedoria no equilíbrio contrário
entre desejos infinitos e realizações parciais. O prazer
sexual é um exemplo: por mais forte que seja o desejo,
também satura. Mesmo divertir-se pode ser cansativo. É
fundamental variar. Todavia, a surpresa não pode ser
diária, pois já não surpreenderia, mas é essencial. O
orgasmo é por definição passageiro, pois é gesto
fisicamente limitado. Na sua passagem pode ser intenso,
profundo, totalizante. Mas não é factível sua continuidade
extensa, tanto por impossibilidade física, como sobretudo
porque quebraria seu encanto. É lei da vida: após o clímax
vem inevitavelmente a calma. Esta é que dura, o outro
passa. É possível inventar modos e jeitos para prolongar
o prazer, mas é sobretudo importante poder recriá-lo.
Passagem criativa, que passa, não para desaparecer, mas
para reviver. Esta é a eternidade que interessa; a outra
aborrece9,14,16,49.
Diante dos desejos infinitos, não há solução
cabal. Há propriamente pactos. Porquanto, toda solução
reencontra novos problemas e toda fase propicia a
seguinte. Esta cisão é fundamental para se compreender
o ser dialético. Tem a constituição de problema estrutural.
Assim, em parte não é problema, pois, sendo problema
na estrutura, não é problema histórico, mas condição dada.
A limitação histórica não é limite, porque tal
incompleição não é falta, mas marca. A unidade de
contrários está na sua alma. Não é acidente, descuido,
nem degeneração, mas modo melhor de ser. Em
conseqüência, não pode haver receita definitiva da
felicidade, por mais que nela se reconheçam lógicas.
Felicidade é arte, criatividade. É sabedoria, que provém
sobretudo da prática irrepetível. Se é variação, passagem,
seria contraditório querer receita da qualidade, porquanto
teríamos que inventar a receita da não-receita. Como
garantir a continuidade invariante do que é essencialmente
provisório? Não se pode, a rigor, programar o improviso.
A intensidade também se alimenta da surpresa.
A felicidade tem a lógica da flor: não há como
separar sua beleza da fragilidade e do fenecimento.
Entretanto, o fenecimento não é apenas a destruição de
sua beleza, mas condição de recomeço. Assim, deve-se
aceitar que a flor é bonita porque fenece. Flor que fica
sempre é de papel, artificial. É cópia. A flor viva vive a
contrariedade da vida: desgasta-se, passa. A seguir, brota
de novo. A felicidade possui o frenesi do desejo eterno
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na sua estrutura, mas realiza-se na passagem intensa de
um momento na sua história. Ser feliz é multiplicar
momentos felizes. Ou: saber deglutir a infelicidade, que
é diária, para saborear melhor a felicidade, sempre que
for possível. Felicidade, não se passa por ela. É ela na
passagem. A maior infelicidade é querer a felicidade total,
toda hora. Todo amor acaba traído. Dói. Mas
recomeça8,11,18,39,40,48,56,83,85,87,88.
Olhar a qualidade a partir da ótica da felicidade
pode induzir a restringir o desafio ao plano pessoal ou
psicossocial. Para nossos fins aqui, o realce maior estará
ligado ao horizonte político do ser humano, no qual o
repto central não é ter mais, mas ser melhor. Trata-se de
visualizar a história como obra coletiva, na qual,
principalmente sob o horizonte da cultura e da identidade
cultural, o ser humano comprova que é capaz de fazê-la,
ou seja, de fazer e fazer-se oportunidade. Certamente,
não podemos destruir o contexto dialético da história,
quer dizer, qualidade política não expressa apenas o lado
bom, não só porque este não está sozinho, mas sobretudo
porque tende a ser minoritário. A história conhecida
propende muito mais a ser um ato de afirmação
excludente, do que de solidariedade ilimitada. Assim, na
cultura de cada povo não está escrito apenas a
comprovação histórica de sua competência em identificarse,
sobreviver e fazer uma sociedade, mas igualmente de
conquistar espaço próprio e de se impor. Por isso, quando
falamos de competência história, a tendência é interpretá-
la como conquista que se impõe. Ao dizermos, entretanto,
.competência humana., buscamos ressaltar a história
solidária.
O realce do horizonte político da qualidade nos
leva a enfocar expressões histórico-culturais marcadas
não só pelo progresso técnico e econômico, mas sobretudo
por sua humanização, como desafio eterno de uma obra
por definição inacabada. Podemos ressaltar:
a) fenômenos históricos relevantes são conquistas como
a democracia, a cidadania, os direitos humanos, a
participação, a comunidade organizada, etc.; expressam
o tipo mais qualitativo de cada sociedade, porque não só
apontam para a competência de se organizar, mas
sobretudo para a competência de participar, dentro do
desafio de construir uma sociedade cada vez menos
desigual;
b) ao mesmo tempo, tais fenômenos marcam-se pela
fragilidade histórica: são tão bonitos, quanto fugazes;
facilmente viram no contrário (democracia como tática
de acumular privilégios, cidadania corporativista,
comunidades beligerantes, etc.); é difícil construí-los, e
mais ainda mantê-los; a expressões mais qualitativas,
como profundidade, intensidade, envolvência,
participação, são, por definição e história, passageiras;
c) a ambiência naturalmente ideológica revela, por sua
vez, a marca dialética mais íntima: pode servir para o
bem e para o mal, a solidariedade atrai menos que a
influência, a ética não comparece como dada, mas apenas
como dura e frágil conquista, há sempre uma distância
marcante entre o que cada sociedade promete ser e o que
é de fato, e assim por diante;
d) todo ser humano é uma potencialidade, por ser um
fenômeno intrinsecamente político; ele é o artífice central
de sua própria obra história, mas não está sozinho no
mundo; para desabrochar, é mister ainda que existam
circunstâncias dadas favoráveis, bem como um ambiente
humano receptivo; politicamente falando, a lógica
dialética do poder propende a privilegiar o mais forte, o
mais rico, o mais sagaz, do que o mais humano;
e) são fenômenos marcantes da qualidade humana as
expressões da arte, da estética, da sensibilidade, da
cultura, mais do que os resultados ditos civilizatórios,
que refletem o progresso como imposição e como espaço
material; ao mesmo tempo, representa arte humana crucial
saber transformar o progresso em bem comum, realizando
um dos traços mais profundos do que podemos chamar
de competência humana;
f) para resumir, qualidade essencial é a competência de
tornar cada vez mais humana a história do ser humano.
B) Qualidade Humana
Os três passos anteriores levam a admitir, desde
logo, algumas características da qualidade, sobretudo
quando assumida como qualidade humana. A ONU
acabou admitindo a idéia de .desenvolvimento
humano., sinalizando que as outras adjetivações (social,
econômico, ecológico, etc.), seriam melhor representadas
pela marca humana. Com isto ficou também superado,
pelo menos até certo ponto, o conceito de .qualidade de
vida., que muitas vezes não consegue explicitar-se de
modo suficiente, seja porque denota quase apenas
horizontes quantitativos (salário, moradia, condições
sanitárias, transporte urbano, etc.), seja porque descamba
facilmente em dicotomias contra a .quantidade de vida..
Pode-se usar o termo, assim mesmo, mas parece
claro que o conceito de desenvolvimento humano, mesmo
provindo de ambiente neoliberal, é muito mais rico,
sobretudo porque expressa a construção e a conquista da
competência histórica humana. Não é dada. É
tipicamente conquista. Ou, como diz a ONU, é
.oportunidade.. Pode ser feita, melhorada, conquistada,
bem como obstaculizada, destruída, esquecida. A
qualidade humana essencial seria aquela que expressa a
competência histórica em dois momentos de conquista
substancial: fazer-se sujeito, deixando a condição de
objeto ou de massa de manobra, e, a partir daí, fazer
história alternativa, marcada pela eqüidade e pela
ética26,72.
Diante disso, podemos assinalar alguns
horizontes que caracterizam a qualidade.
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1. Qualidade é atributo humano
Somente o ser humano é capaz de qualidade, pois
trata-se de um fenômeno histórico-dialético. A matéria
não teria qualidade, a não ser aquela que fosse dada, ou
tomada como algo dado2,53,63,64,91. Poder-se-ia dizer que
um diamante tem mais ou menos qualidade, dependendo
de sua pureza. Há aqui uma questão de perfeição, mas
que não é conquista humana histórica.
Por ser atributo humano, qualidade é função
precipuamente da educação, já que educação é o caminho
crucial da competência histórica. Para o ser humano ter
oportunidade e sobretudo ser oportunidade, necessita
construir a competência mais radical que existe, que é a
de fazer-se sujeito. Não é à-toa que a ONU, ao classificar
os países de acordo com o desenvolvimento humano,
coloca, entre os três indicadores usados, a educação em
primeiro lugar. O que melhor trabalha o horizonte das
oportunidades e principalmente torna o ser humano
oportunidade é o processo educativo, desde que seja
emancipatório50,58,86. A seguir vem o indicador da
expectativa de vida, que mistura sabiamente traços
quantitativos (anos de vida) com qualitativos (desfrute
da vida). E por fim aparece o indicador material
propriamente dito, que é o poder de compra. Está
assinalado aqui que o desenvolvimento humano é
basicamente questão de qualidade, não só de quantidade.
Ou seja, é sobretudo questão de ser, não de ter, por mais
que entre ambos não se possam inventar dicotomias.
Com isto já se aposta numa direção clara: quando
se busca qualidade em qualquer instituição, o que temos
de trabalhar melhor são os seres humanos envolvidos,
ou como se diz na qualidade total, os .recursos
humanos.47,77,79,80,81. O que faz a qualidade de uma escola
não são a parabólica, ou a videoteca, ou os computadores,
mas o naipe de profissionais nela engajados.
2. Qualidade é dialética
A dialética humana é da unidade de contrários,
encontrando aí sua dinâmica histórica própria. Faz parte
desta lógica polarizada, entre outras coisas:
a) tudo que é profundo, é passageiro; a intensidade
transforma-se em extensão, se perdurar; vira rotina; a
profundidade tem a lógica do momento, e no momento
pode ser avassaladora, total, plena, não na extensão
esticada; ser passageiro denota, ao mesmo tempo, a
fugacidade da vida, mas sobretudo sua maneira própria
de ser; passar não é vicissitude, é essência;
b) o que é bom, acaba; o bom extenso, enjoa, satura,
enoja; acabar é condição de qualidade, para não se esvair
na rotina, que a tudo mata, porque não deixa passar; a
coisa mais histórica que a história conhece é o desgaste
no tempo; qualidade é a capacidade de se confrontar com
este desgaste, impondo ao tempo, no momento, a
intensidade que a extensão nega;
c) a criatividade é uma dinâmica provisória, não uma
situação definitiva; a criação mais profunda do ser
humano não é uma sociedade acabada, mas por se fazer;
toda instituição envelhece; por isso, viver é,
essencialmente, renovar-se; quem se renova não deixa
de envelhecer . isto é implacável para um ser histórico
. mas impõe à extensão temporal momentos de
criatividade intensa***;
d) utopia é o afrontamento dos limites, dentro dos
limites; buscamos a perfeição, sabendo que nenhuma
história é perfeita; a perfeição da história é a oportunidade
possível de aperfeiçoá-la; só pode ser momentânea a
sensação de plenitude, dentro de uma história que não
pode jamais ser plena; qualidade é essencialmente uma
esperança, que vale sobretudo pela capacidade de
mobilizar, fazer fé, comprometer, envolver;
e) realizar-se é saber ceder; toda convivência
participativa, se, de um lado, enriquece a pessoa, porque
ninguém se realiza sozinho, de outro, estar juntos é estar
cercado de limites; na comunidade, somos melhor, mas
temos menos.
Tomando o exemplo da felicidade, parece
evidente que seja um fenômeno dialético típico, cabendolhe
as qualificações acima arroladas. Os próprios poetas
repetem sempre que .felicidade são momentos felizes.,
ou que o amor é eterno, enquanto dura. O ser humano
corre todo dia atrás da felicidade, mas a realiza aos
pedaços, se tanto. É momento e pode ser forte, por ser
momento. Se esticarmos, entra na extensão, vira rotina.
Este é o drama do amor. Começa intenso, e vai decaindo
na extensão. Assim sucede no fenômeno participativo.
No início, todos ou muitos prometem participar, por
exemplo, num sindicato, numa associação, num partido,
numa comunidade eclesial de base. Com o tempo, esfria
o envolvimento e cada vez menos gente aparece.
Freqüentemente, acontece que ninguém mais comparece,
ficando os chefes sozinhos. Nossas assembléias gerais,
como regra, são um panorama desolador: alguns .gatos
pingados. sustentam o fenômeno participativo, e por
vezes também se aproveitam disso para manipular os
presentes.
A provisoriedade da intensidade é marca dialética
natural, onde se comprova fenômeno histórico na
essência: sua forma de ser é passar, não é ficar
indefinidamente. Temos a propensão de esperar da
história a extensão esticada, mas que não passa de rotina.
*** Não segue destas considerações que criatividade seja mera .inspiração.. Segue apenas que inspiração não pode ser cotidiana
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Na verdade, esta é necessária, porque não se pode viver,
todo dia, de criação total, invenção de tudo de novo.
.Nada como um dia após o outro.. Mas tudo isto é
mediocridade. A história que nos interessa é aquela que,
sendo inevitavelmente extensa, é sacudida de maneira
reiterada, teimosa, persistente pelo ímpeto de renovação.
Renovar a rotina não desfaz a rotina, porque a própria
renovação pode tornar-se rotineira. Mas é na utopia da
renovação que nos realizamos historicamente, porque é
assim que não nos vemos apenas como desgaste
implacável, mas como competência de criar.
Para afrontar limites é preciso saber deles e
sobretudo que somente os afrontamos limitadamente. Esta
teimosia é que faz a dignidade histórica do ser humano,
que não aceita ser apenas resto histórico, mas sujeito
dinâmico dela. Aí está a diferença qualitativa: história
como mero desgaste, ou história como desgaste
atormentado pela teimosia de criar.
3. Qualidade é difícil de gerar, e é muito mais difícil
de renovar
Trata-se de perceber o desafio crucial de não só
gerar fenômeno qualitativo, como é a participação, mas
sobretudo de manter a chama acesa do envolvimento
político. Uma coisa é um partido grande, outra é um
grande partido. Este não é necessariamente grande em
número, mas em qualidade participativa, em militância,
em decisão política efetiva.
Assim, de um lado aparece o repto histórico de
fazer uma história marcada pela intensidade e não só pela
extensão, pela mediocridade, pela reprodução. São, pois,
essenciais os fenômenos da democracia, do
associativismo, do sindicalismo, da emancipação coletiva,
porque é neles que emerge a competência histórica de
fazer e fazer-se oportunidade. Mas, de outro lado, aparece
o desgaste histórico implacável, porque, na história, o
que fica, é a rotina. Não existe nenhuma condição de
qualquer fenômeno humano não se desgastar
historicamente. A morte não contradiz a vida, pois é
apenas seu contrário. Não é vida o que não morre.
Esta marca dialética faz da qualidade um desafio
de resgate permanente, de tal sorte que o permanente não
será mais uma situação definitiva, institucional acabada,
mas a persistência da renovação. Ser competente é
essencialmente saber renovar-se. É difícil, sem dúvida,
por exemplo, gerar uma proposta qualitativa na escola,
comprometida com a aprendizagem do aluno, com um
projeto emancipatório ou com a participação de todos,
inclusive da comunidade. Mas é ainda muito mais difícil
manter o envolvimento sempre aceso. Na verdade, é
historicamente impossível manter sempre aceso, porque
todo fogo, é fogo, porque apaga. Tudo que queima,
também vira cinzas. Assim, o envolvimento não pode, a
rigor, ser o mesmo todo dia. Poderá voltar a ser mais ou
menos o mesmo, mas depois da baixa. Se for resgatado.
Na prática, não é viável um programa permanente
de qualidade permanente, porque a qualidade permanente
já não é qualitativa, ao virar qualidade rotineira, extensa.
O que deve ser permanente é o esforço permanente de a
renovar. A qualidade total vive profundamente este
drama, dentro do contexto da educação voltada para o
mercado: é muito importante o envolvimento dinâmico,
participativo dos recursos humanos; os .treinamentos.
buscam, entre outras coisas, agitar o envolvimento de
todos, fazem dinâmica de grupo, estimulam ambiente de
convivência positiva, etc.; mas todos sabem o quanto é
difícil manter este espírito. Qualidade total não é um
produto que se tem ou se guarda, mas sobretudo uma
conquista constantemente renovada.
Neste contexto, seria possível aduzir que o termo
.qualidade total. é profundamente enganoso, porque
desconhece ou escamoteia a dialética histórica. .Total.
acaba restringindo-se ao esforço obsessivo para provocar
e manter a adesão dos recursos humanos aos fins da
empresa. Ao mesmo tempo, ao reconhecer-se a
necessidade de atualização permanente dos recursos
humanos, é incongruente imaginar que isto se torne algo
.total., ocultando exatamente o desgaste inevitável do
tempo. Assim, a qualidade total implica propaganda
enganosa!
4. Qualidade é decisiva, mas não mecânica
Tem, neste sentido, a lógica do conhecimento.
Este expressa uma das qualidades humanas mais
significativas, tendo sido tomado, na história da filosofia,
como a marca mais central do ser humana (animal
rationale). Hoje, apostamos muito na força do
conhecimento, tomando-o até mesmo como o .capital.
decisivo da própria economia moderna. As famílias, por
sua vez, zelam pelo estudo dos filhos, acreditando que
seja a melhor maneira de lhes garantir um futuro melhor.
Mesmo assim, cabe reconhecer . para ser
coerente com a própria lógica do conhecimento
questionador . que ele é, na essência, potencialidade,
disposição, prontidão. Como diz a crítica devastadora pósmoderna,
o conhecimento não sabe garantir-se, porque
sua presença não implica necessária ou mecanicamente,
que seja efetivo. Um decisor pode dispor do
conhecimento mais atualizado possível, e, mesmo assim
ou à revelia, tomar uma decisão pelo avesso. Um educador
pode ter doutorado em educação e, mesmo assim, ou até
por causa disso, educar muito mal seus próprios filhos.
Esta marca está contida na própria verve
questionadora, porque mais facilmente desconstrói, do
que constrói. Tudo que o conhecimento constrói, em
seguida desconstrói, por questionamento permanente e
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por impulso de inovar sempre. Somente inova, o
conhecimento que não só questiona, mas sobretudo se
questiona. Assim, o que o torna permanentemente
inovador é a capacidade de questionar e se questionar
sempre. Quer dizer, sua força está na fragilidade dialética,
expressando tipicamente a dialética da potencialidade.
O que é potencial, só o pode ser na medida da amplidão
infinita de maneiras possíveis de vir-a-ser, mas, por conta
disso, pode ser qualquer coisa, inclusive não ser. É como
o .berço., aludindo-se à qualidade humana de alguém
que teria sido .bem-educado.: é decisivo, mas facilmente
se perde.
Assim, qualidade humana representa o que há
de mais intenso, profundo, perfeito que o ser humano
pode construir, mas daí não seguem efeitos automáticos
ou mecânicos, precisamente porque estes não são, em si,
.humanos.. Sem um naipe qualitativo de professores, não
há aprendizagem adequada dos alunos. Isto é certo, talvez
o que haveria de mais certo. Entretanto, é possível que
uma professora mal preparada alfabetize melhor as
crianças do que uma especialista mundialmente
reconhecida, assim como parece ser o caso no Brasil de
um desempenho mais convincente da normalista,
comparado ao licenciado, embora este, por deter mais
anos de estudo, devesse .educar. melhor.
No plano político, esta problemática é por vezes
muito evidente, por exemplo, quando se defende que, para
ser Presidente da República, não se exigem títulos
acadêmicos, a não ser certo limite de idade e alguma
escolaridade mínima, além de requisitos de
comportamento público. Não caberia defender que o
Presidente devesse ter doutorado em administração
pública, como estaríamos dispostos a defender que o Lula
pode ser Presidente, mas não professor. Na verdade,
estamos procurando no Presidente principalmente uma
qualidade política, que não se expressa necessariamente
por externalidades, como anos de estudo ou montante de
riqueza. Do que se trata?:
a) é mister distinguir entre instrumentações formais e
materiais da qualidade, da qualidade política como tal;
esta necessita daquelas, mas a elas não se restringe; assim,
um doutor em educação não é automaticamente um bom
educador;
b) como qualquer potencialidade, sua direção histórica
não está predeterminada, mas efetivada de acordo com o
envolvimento ideológico e ético em jogo; assim,
professores bem preparados formalmente podem
apresentar um desempenho, em termos de aprendizagem
dos alunos, pior que outros tidos por mal preparados;
c) toda qualidade humana paga o preço da liberdade e do
risco histórico; ou seja, sendo dialética potencial, é dúbia,
frágil, em grande parte imprevisível; é tudo que podemos
desejar, mas nunca é tudo que podemos fazer, além de
gastar-se com extrema velocidade;
d) usando linguagem da lógica clássica, qualidade
humana é condição necessária, mas não suficiente de uma
história humana; dialeticamente falando, não existem
condições suficientes na história, por não serem
propriamente históricas; história é precisamente o
horizonte das possibilidades inesgotáveis, não um
tabuleiro de carta marcada.
5. A história da qualidade é sobretudo de sua traição
Traição vem compreendida no duplo sentido
dialético: de um lado, daquilo que, sendo intensamente
bom, degenera no extensamente ruim; de outro, da
infidelidade ao cotidiano, para ser criativa. O cotidiano
chora, como se diz em antropologia, porquanto é feito
sobretudo de tristeza, mesmice, repetição, mediocridade.
Tal qual o bom menino, que é considerado bom porque
nada inventa. Perfeitamente medíocre.
O cotidiano pode ser visto como a traição de cada
dia da utopia da vida, onde viver já é quase só vegetar,
apenas passar pela vida, ser espectador, ou mero objeto.
Por outra, para confrontar-se com o cotidiano, é mister
saber traí-lo. A criatividade é sempre um ato de
infidelidade, como é a ciência crítica. Para inovar, é mister
desconstruir, desfazer, recomeçar. Destruir uma rotina que
a tudo destrói, é o desafio maior da qualidade, que precisa
trair o cotidiano, para não ser sempre traída. A estratégia
da qualidade é principalmente a vigilância obsessiva
contra a mesmice institucional, que faz tudo repetir-se
para ficar na mesma.
A vida em sociedade é sobretudo uma estratégia
de acomodação, de tal sorte que cada dia é o mesmo dia.
Predomina, de longe, a pressão pela conformidade, sobre
o esforço de criatividade. Todos esperam que cada qual
cumpra com seu dever, ou seja, não invente moda, não
pretenda ser diferente, não discrepe. Mediocridade geral
é a sina da convivência humana. A fidelidade às normas
e valores, levada a extremos, decreta a descaracterização
de um ser humano criativo.
Assim como a morte é a traição da vida, a vida
como mera repetição é a traição da felicidade. Por isso, a
maneira de esticar a felicidade não é prolongá-la
extensamente, mas interrompê-la estrategicamente.
Ressuscita melhor o que sabe morrer. Não pode ser vida
o prolongamento da agonia. O amor vira rotina,
invariavelmente, não tanto como defeito, mas como marca
histórica natural. Qualidade é a luta, por vezes
desesperada, de retomar uma intensidade que teima em
transformar-se em extensão. Não há receita para esta
retomada, mas parece certo que é mister trair. Bem
entendido, trair no sentido de surrupiar do cotidiano chato
momentos felizes. Até porque a fidelidade pode ser
apenas extensa, sempre que decair no relacionamento
repetido, mecânico, formal. É neste sentido que se deve
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dizer: todo projeto criativo, continuará criativo, se
encontrar traidores. O traidor pode ser aquele que apenas
se opõe ao projeto. Mas o traidor aqui procurado é quem
é infielmente fiel à criatividade.
C) Qualidade formal e política
No campo educativo, convém distinguir duas
dimensões da qualidade, que, na prática, aparecem
globalizadas: o lado formal e o lado político.
1. Qualidade Formal
Por qualidade formal compreendemos a perfeição
dos meios, dos instrumentos, dos procedimentos, e se
refere substancialmente ao conhecimento. Este é o
instrumento mais efetivo de inovação histórica, ou seja,
é a arma mais potente de renovação de uma história que
teima sempre em se desgastar51,52,55.
Entretanto, o próprio conhecimento representa,
nele mesmo, a provisoriedade de uma história renovada.
Sendo, na essência, uma estratégia de questionamento,
tem sua virtude principal no método, mais do que na
fabricação de conteúdos. Estes sempre envelhecem, por
serem históricos. O que não envelhece é a capacidade de
se opor permanentemente ao envelhecimento. Esta
competência de sempre se renovar é a competência
humana mais típica e relevante.
O exemplo dos computadores é paradigmático.
Todo modelo novo é feito para ser superado. Não é viável
um computador definitivo. O que faz dele uma máquina
interessante é que implica, nela mesma, a necessidade de
incessante renovação. Este exemplo é interessante
também porque denota uma face preocupante da
renovação, ligada à dinâmica do mercado. Renova-se
tanto a informática, porque é essencial à produtividade
moderna, não principalmente porque é importante para a
história humana. O que é crucial para a humanização da
história renova-se menos do que o que é essencial para o
mercado. Isto quer dizer que nossa história conhecida
representa, diante do mercado, uma subalternidade que
deveríamos, com o tempo, saber também superar13,35.
Mas isto não desfaz o desafio de atualização
permanente, tão típico do conhecimento moderno. A
própria marca do questionamento leva a isto, tanto por
uma necessidade lógica, quanto por uma necessidade
democrática24,27,46. O conhecimento, que funciona pela
via do questionamento, somente é coerente consigo
mesmo se souber sobretudo se questionar. A lógica do
questionamento é a mesma do auto-questionamento,
porquanto a competência da crítica está na autocrítica.
Por outra, questionar implica reconhecer o direito de todos
de falar, seja porque qualquer consenso somente subsiste
se for democrático, seja porque a reserva de conhecimento
é sempre excludente e nisto afoga o questionamento.
Esta característica levou a reconhecer que
conhecimento perdeu seu valor de uso. Somente o
conhecimento que se renova vale a pena e serve para
renovar. Guardar conhecimento, estocar, armazenar,
apropriar-se dele, adquirir, são expectativas arcaicas, que,
na prática, desfazem a virtude inovadora do
conhecimento. O que interessa é a reconstrução do
conhecimento, porque conhecer é substancialmente
reconstruir conhecimento7,10,37,69. O que mais inova é
também o que mais envelhece. O que mais e melhor traz
novidades na história, é também aquilo que a torna tanto
mais provisória. A velocidade das grandes mudanças se
acelera cada vez mais. O que se via em mil anos, hoje
pode ser vivenciado numa geração.
Aí temos, pois, um caminho da qualidade
essencial para a educação. Se quiser manejar a capacidade
de inovar a história, de intervir nela como sujeito que a
faz, de fazer e fazer-se oportunidade, o ser humano precisa
manejar conhecimento. Em termos instrumentais, eis o
instrumento maior e melhor. Espera-se, por isso, que a
criança aprenda de fato na escola, ou seja, construa
formação básica capaz de saber pensar para melhor
intervir. Esta habilidade propedêutica é crucial para dar
conta dos desafios da modernidade e, como veremos,
sobretudo para educar a modernidade. Ler a realidade
com competência é a forma mais efetiva de nela intervir
alternativamente15,31.
Supera-se com isto a tradição do mero repasse
de conhecimento. O aluno não vai à escola para adquirir
conhecimento, ou apropriar-se dele, ou para assimilá-lo,
mas estritamente para reconstruí-lo. O que o torna
oportunidade histórica, em termos instrumentais, é
principalmente esta habilidade. De apenas escutar, tomar
nota e fazer prova, ninguém fica competente. Ao
contrário, é a rota clássica da subalternidade. É ser resto
do outro mundo que sabe reconstruir conhecimento.
Assim, enquanto o Primeiro Mundo pesquisa, o Terceiro
dá aula!
2. Qualidade Política
Todo instrumento encontra sentido na finalidade
a que serve. Conhecimento não vale por si nem em si,
mas como meio para realizar os fins e os valores sociais,
em termos do bem comum. Qualidade política tem a ver
principalmente com a ética do conhecimento, da história,
das intervenções3,4,70.
É sempre possível reconstruir o melhor
conhecimento possível para imbecilizar, torturar, destruir.
Esta preocupação é forte hoje em muitos críticos da
ciência, porque, ao lado da instrumentalidade fantástica
que coloca à disposição do ser humano, representa
também risco forte de exclusão. A ciência costuma crescer
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tanto mais por força do mercado ou servindo aos
poderosos, não pela ética do bem comum51,52,57,84.
Aqui entra em cena a necessária ética do ser
humano que não só sabe inovar, mas sobretudo sabe
humanizar a inovação. Sabe fazer uma história humana,
com base na competência humana. Para tanto, necessita
do conhecimento, porque é o meio mais efetivo. Não pode
haver um sujeito histórico competente que não saiba
manejar conhecimento. Mas esta competência não é tudo.
É apenas instrumental. Há ainda que incutir a devida ética.
Trata-se, pois, da cidadania, compreendida como
a competência de tomar, pela consciência crítica, a
história nas mãos e torná-la bem comum. E esta é a meta
central do processo educativo, ou seja, de gestar sujeitos
históricos devidamente instrumentados no conhecimento,
para intervir melhor na história. Intervir melhor significa
precisamente não permanecer apenas na intervenção, mas
fazer dela bem comum.
A definição de qualidade pode parecer um jogo
teórico. Entretanto, como nada é melhor para a prática
do que uma boa teoria, será o caso perceber que nenhuma
prática da qualidade é qualitativa se não souber definirse
conceitualmente. Acaba tornando-se .qualquer coisa..
Um exemplo disso está nos treinamentos comuns
na .qualidade total.. Por não usar conceitos adequados
de qualidade, passa-se a admitir que a competência
humana provenha de meros treinamentos, que tratam a
pessoa humana como objeto de ensino. Estritamente,
repassa-se conhecimento, esperando que os recursos
humanos o absorvam, internalizem, transformem em
conduta, de fora para dentro. Nada é mais contraditório
com a condição de sujeito ou de qualidade humana do
que ser objeto.
A qualidade total, freqüentemente, esvai-se em
táticas de adesismo, através da qual busca-se envolver
os trabalhadores na dinâmica da empresa. Esta precisa
de conhecimento renovador e sobretudo de gente que
saiba manejar conhecimento renovador. Mas, com base
em noção truncada de cidadania, privilegia-se e por vezes
exclusiviza-se a relação com o mercado. Aumenta-se a
oportunidade de lucro e produtividade, mas dificilmente
melhora-se a condição do trabalhador.
Treinamento é uma iniciativa incapaz de gestar
autêntica formação básica, compreendida esta como a
capacidade de saber pensar para melhor intervir, na
interseção entre qualidade formal e política. Fica-se
apenas com a qualidade formal, se tanto. Treinamento
nem isto faz, porque permanece com a cópia do
conhecimento, não impulsionando sua reconstrução.
Evita-se a qualidade política, que somente é factível no
berço da educação emancipatória.
Uma definição mais acurada supera a noção de
qualidade como fumaça esgarçada num horizonte
impreciso, permitindo inclusive localizá-la concretamente
em fenômenos específicos, como o da participação,
educação, democracia, comunidade, etc. Pode-se também
apontar caminhos concretos de como se gesta e resgata
qualidade, em termos formais e políticos, dentro do
contexto do manejo instrumental do conhecimento e de
sua implicação ética.
Ao mesmo tempo, pode-se evitar o discurso
perdido e lunático em torno da qualidade, comum a
educadores que não ultrapassam o nível persistente das
.considerações gerais.. Qualidade não pode ser apenas
problema teórico. É sobretudo desafio prático. .Saber
fazer e refazer qualidade. . eis a questão. Pelo fato de
educação, por mais intensa que seja sua qualidade, não
produzir efeitos mecânicos e automáticos, disto não
decorre que seja algo intangível. A intensidade que
melhor se pode ver, é aquela que também melhor se
define.
Esta definição mais acurada de qualidade pode
colaborar em especificar melhor os objetivos pretendidos
em educação, bem como em avaliar com profundidade
mais convincente a intensidade de fenômenos
considerados estratégicos, como a formação básica. Não
cabe, por exemplo, permanecer apenas em expressões
quantitativas, como meros anos de estudo, bem assim
em expressões apenas formais de testes, como rendimento
escolar mensurado por testes de conhecimento. Será
possível perseguir melhor dimensões mais substanciais
como o saber pensar para melhor intervir e inovar,
compondo qualidade formal e política. Quando criticamos
didáticas reprodutivas, acenamos para o desafio
reconstrutivo, que se compõe melhor com processos
emancipatórios do sujeito e da formação histórica de
sociedades alternativas. Se é dificílimo avaliar qualidade
política, podemos pelo menos orientar avaliações da
qualidade formal na esteira de instrumentações da
qualidade política.
A qualificação do cidadão e do trabalhador não
se esgota em treinamentos estereotipados, mas precisa
evoluir para a idéia de alimentação constante da
empregabilidade e da atuação política organizada. Ao
mesmo tempo que podemos mostrar, estatisticamente, que
é o fator preponderante do acesso à renda, seria ainda
mais importante revelar que é o apoio mais decisivo de
uma cidadania capaz de redistribuí-la. Não basta, assim,
preocupar-se só com salário e treinamento dos
professores, porque é sobretudo fundamental garantir a
relação intrínseca com a aprendizagem adequada dos
alunos. Olhando assim, podemos logo concluir que
treinamento nunca faz isto, e que salário pode não ter
nada, mas pode ter tudo a ver com a aprendizagem dos
alunos. Porquanto, se o professor não for a prova viva da
cidadania, ou seja, a prova de que educação leva à
cidadania, incluindo-se aí obviamente a dignidade
salarial, não tem como contribuir para a formação da
cidadania do aluno.
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PESQUISA QUALITATIVA - USOS E ABUSOS
Fizemos no capítulo anterior um esforço de
sistematização do conceito de qualidade, dentro da
coerência científica formalizante. Enquanto qualidade for
qualquer coisa, pesquisa qualitativa também o será. Como
se viu, é dificílimo traçar relevos da qualidade e mesmo
assim é essencial defini-la em termos lógico-formais. Tais
definições devem ser vistas como instrumento
metodológico, não como aprisionamento formal. Vale
aqui a regra clássica da hermenêutica: muitas vezes é
mais relevante o que está oculto, o que não se diz, o que
se esconde.
Pesquisa qualitativa significa, na esteira de nossa
argumentação, o esforço jeitoso de formalização
perante uma realidade também jeitosa. Trata-se de uma
consciência crítica da propensão formalizante da ciência,
sabendo indigitar suas virtudes e vazios. Portanto, o que
se ganha e se perde com cada método. Ao mesmo tempo,
uma pesquisa qualitativa dedica-se mais a aspectos
qualitativos da realidade, ou seja, olha prioritariamente
para eles, sem desprezar os aspectos também
quantitativos. E vice-versa.
Se tomássemos o exemplo de uma análise do
discurso, o que buscamos é sobretudo suas implicações
hermenêuticas, que facilmente nos escapam ou são
invisíveis/imperceptíveis, quando não agem exatamente
pela ausência ou pelo silêncio. Esta realidade tão forte
quanto arredia pode ser nosso objeto de análise.
Entretanto, para chegarmos lá, é mister antes catalogar o
discurso, fazer uma exegese de frases e palavras,
quantificar recorrências, vocábulos, expressões mais
freqüentes, não para ficarmos aí, mas vermos melhor a
partir daí. Assim, quem sistematiza melhor, pode ter
vantagem. Um questionário aberto pode ser a porta de
entrada para um mundo de representações sociais mais
subjetivas, e por isso mais profundas e determinantes, à
medida que permite a fala descontraída, realista e natural,
a não-linearidade de respostas sobre realidades
tipicamente não-lineares. Mas, ainda assim ou
precisamente por isso, precisa ser bem organizado e
garantir, entre outras coisas, que em cada novo
questionário se trata do mesmo tema, da mesma pesquisa,
da mesma análise, ou seja, deve existir um contexto
sistemático e lógico, até mesmo para podermos comparar
e inferir. É erro crasso imaginar que de conversas soltas,
amadoramente conduzidas ou mal conduzidas, se possa
extrair alguma análise mais profunda, ou que de algumas
pessoas indagadas se possa inferir conclusões que abalem
o universo. Ademais, se no dado empírico, quantitativo
ou pretensamente quantitativo, a manipulação corre solta,
que dizer de dados qualitativos desprovidos de um
mínimo de sistematização...
Hoje podemos dizer - de boca cheia - que a
qualidade está em primeiro lugar, seja pelas quimeras da
qualidade total, seja pela saturação dos métodos
excessivamente formalizantes e nisso empobrecedores
da realidade, seja porque precisamos avançar em
horizontes tão intensos, quanto difíceis de devassar. As
ciências físicas e biológicas acenam com uma
aproximação sem precedentes. Todavia, não vai valer a
pena trocar um exagero, por outro.
Por fim, algo intrigante: grandes autores voltados
para realidades mais qualitativas, como Habermas e as
dimensões de seu .mundo da vida., ou os pesquisadores
da inteligência, ou os biólogos e físicos que buscam
perscrutar a .capacidade de aprendizagem da matéria. e
de todo ser vivo, não recorrem aos ditos .métodos
qualitativos. que os cientistas sociais valorizam.
Chomsky, por exemplo, reconhecido hoje como um dos
autores mais sensíveis à qualidade democrática dos
Estados e governos, não usa tais metodologias. Muitas
vezes se assacou contra pesquisadores latino-americanos
que gostam de pesquisa qualitativa a acusação de que
seria .coisa do Terceiro Mundo.. De fato, o mundo
desenvolvido a maneja apenas marginalmente. A própria
ONU em seus Relatórios sobre Desenvolvimento
Humano, expressamente voltados para a qualidade
humana da população, faz tudo isso com indicadores
clássicos, embora reconstruídos sob outros horizontes.
Inclusive faz-se um índice de desenvolvimento humano,
que, a rigor, não pode ser medido.
Sucede, a nosso ver, que tais pesquisadores nunca
abandonaram as vantagens da formalização científica,
quando feita com juízo. O índice de desenvolvimento
humano expressa muito menos uma .medida., do que
um composto de traços qualitativos numericamente
construídos. Neles exala-se menos a extensão, do que a
intensidade do bem-estar. No fundo, temos o mesmo caso
nas notas que damos aos alunos. Alguns querem uma
.menção., porque seria menos agressiva, ao não parecer
.medida.. Na prática é medida, com todas as letras. E
quando necessitamos de médias, reduzimos menções a
notas. Achar que .sem rendimento. ofende menos que
.zero., é um prurido tolo, razão pela qual menção e nota
são perfeitamente sinônimos. O que buscamos com a
menção é o mesmo que com a nota: uma expressão
numérica, para fins de avaliação, de um composto de
qualidades que um aluno tem. A expressão é posta em
termos numéricos para tornar-se mais visível e talvez
compreensível30.
Não faria mal se os pesquisadores sociais, por
reconhecimento aos bons ventos que sopram do .lado
oposto., também valorizassem mais as habilidades
formalizantes da metodologia científica. Muitas vezes,
adotamos certos modismos metodológicos, porque
desconhecemos o cardápio variado disponível orientado
para realidades qualitativas, como hermenêutica e
fenomenologia, já tradicionais.
Pesquisa qualitativa... Rev.latino-am.enfermagem - v. 6 - n. 2 - p. 89-104 - abril 1998
102
QUALITATIVE RESEARCH
SEARCH FOR EQUILIBRIUM BETWEEN FORM AND CONTENT
The present study describes the change of expectation regarding qualitative research through post modernity evolution.
The author focus on quality under several aspects, pointing out the practices and abuses in qualitative research.
KEY WORDS: research, qualitative research
PESQUISA CUALITATIVA
BUSCA DE EQUILÍBRIO ENTRE FORMA E CONTEÚDO
Este artículo presenta una descripción del cámbio de espectativa en lo que se refiere a la investigación cualitativa a
través de la evolución de la post-modernidad. Enfoca la calidad sobre vários aspectos, apontando hacia los usos y abusos en la
investigación cualitativa.
TÉRMINOS CLAVES: investigación, investigación cualitativa
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_________________________________________________________________________

O diário de bordo como ferramenta de registro na pesquisa-ação
 

Versus Pesquisa Quantitativa:
3 : a) observar o comportamento que ocorre naturalmente no âmbito real; b) criar situações artificiais e observar o comportamento diante das tarefas definidas para essas situações; c) perguntar às pessoas sobre o seu comportamento, o que fazem e fizeram e sobre os seus estados subjetivos, o que, por exemplo, pensam e pensaram. Cada uma destas três famílias de métodos de conduzir estudos empíricos – observação de comportamento, experimento e survey – apresentam vantagens e desvantagens distintas (Kish, 1987). As vantagens e desvantagens são ligadas à qualidade dos dados obtidos, às possibilidades da sua obtenção e à maneira de sua utilização e análise4. Considerando que este artigo trata, predominantemente, da pesquisa qualitativa e de dados qualitativos, convém explicitar que a primeira vertente, observação, inclui registros de comportamento e estados subjetivos, como documentos, diários, filmes, gravações, que constituem manifestações humanas observáveis.qualitativas.e dos experimentalistas. A afirmação “o todo é maior do que a soma das suas partes” não significa que não possa ser conveniente, concentrar-se “apenas” numa parte do processo da pesquisa.

Pesquisa Qualitativa
Esta É a Questão?

Universidade de Brasília

– Diante da falta de diálogo entre pesquisadores qualitativos e quantitativos, este artigo adota uma posição“ecumênica”. Argumenta que ambas as abordagens têm suas vantagens, desvantagens, pontos positivos e pontos negativos, considerando que o método escolhido deve se adequar à pergunta de uma determinada pesquisa. O trabalho apresenta algumas diferenciações entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Em seguida, aponta a complexidade da pesquisa qualitativa em termos de pressupostos, coleta, transcrição e análise de dados. Discutimos, também, critérios de qualidade para a pesquisa qualitativa. Concluimos com considerações sobre as conseqüências para a pesquisa, ao se optar pela pesquisa qualitativa e/ou pela pesquisa quantitativa.Palavras-chave: pesquisa qualitativa; pesquisa quantitativa; abordagem multi-metodológica; triangulação.

Hartmut Günther

Ao se considerar como objeto de estudo do cientista social a variabilidade do comportamento e dos estados subjetivos, i.é, pensamentos, sentimentos, atitudes, segue-se a pergunta: a que atribuir esta variabilidade? Sob a ótica das ciências sociais empíricas existem três aproximações principais para compreender o comportamento e os estados subjetivos
O que une os mais diversos métodos e técnicas de pesquisa incluídos nestas três grandes famílias de abordagem é o fato de todos partirem de perguntas essencialmente
Por que existe variabilidade verificada? Como lidar com a mesma? Quais as suas implicações? Estas perguntas exigem, por sua vez, respostas qualitativas. A variabilidade existe por essa ou aquela razão. Tem essas ou aquelas implicações.
Assim, usando números, ou não, na tentativa de se chegar de uma pergunta qualitativa a uma resposta qualitativa, qual seria a diferença entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa? Será que se pode argumentar que todo tipo de pesquisa é qualitativa?
Neste artigo, começamos com a apresentação de algumas diferenciações entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Mostraremos, depois, a complexidade da pesquisa qualitativa em termos de pressupostos, coleta, transcrição e análise de dados. A seguir, apontamos critérios de qualidade para a pesquisa qualitativa. Concluímos o artigo com implicações para pesquisa, ao se optar para a pesquisa qualitativa e/ou a pesquisa quantitativa.

Ao revisar a literatura sobre a pesquisa qualitativa, o que chama atenção imediata é o fato de que, freqüentemente, a
pesquisa qualitativa não está sendo definida por si só, mas em contraponto a pesquisa quantitativa. Apresentaremos
alguns destes contrastes e comparações. Para organizar as diferenças e similaridades entre a pesquisa qualitativa e a
pesquisa quantitativa, consideramos: a) características da pesquisa qualitativa; b) postura do pesquisador; c) estratégias
de coleta de dados; d) estudo de caso; e) papel do sujeito e f) aplicabilidade e uso dos resultados da pesquisa.
Características da pesquisa qualitativa
A clássica afirmação de Dilthey
1957, p. 315) pode ser vista como o ponto de partida para as diferenças entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. A primazia do “compreender a vida mental” reaparece em todas as discussões sobre a natureza da pesquisa qualitativa.
Qual, então, a natureza da pesquisa qualitativa? Quais alguns dos pressupostos desta abordagem?
Flick, von Kardorff e Steinke (2000), apresentam quatro bases teóricas: a) a realidade social é vista como construção
e atribuição social de significados; b) a ênfase no caráter processual e na reflexão; c) as condições
vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos; d) o caráter comunicativo da realidade social permite que o refazer do processo de construção das realidades sociais torne-se ponto de partida da pesquisa. Subseqüentemente,
estes autores “traduzem” estas bases teóricas em 12 características da pesquisa qualitativa. Mayring (2002), por
outro lado, apresenta 13 alicerces da pesquisa qualitativa. Agregando estes dois conjuntos, chegamos a cinco grupos
de atributos da pesquisa qualitativa: a) características gerais; b) coleta de dados; c) objeto de estudo; d) interpretação
dos resultados; e) generalização.
“explicamos a natureza, compreendemos a vida mental” (citado por Hofstätter,“objetivas”5 de
Características gerais
Dificilmente um pesquisador adjetivado como quantitativo exclui o interesse em compreender as relações complexas.
O que tal pesquisador defende é que a maneira de chegar a tal compreensão é por meio de explicações ou compreensões
das relações entre variáveis. Segundo, sem dúvida, pode-se conceber as múltiplas atividades que compõem o
processo de pesquisa como um ato social de construção de conhecimento. A questão não respondida, porém é, “qual
a correspondência entre o conhecimento socialmente construído e a realidade alheia?” – supondo, obviamente, que
ela exista independentemente do pesquisador. A descoberta e a construção de teorias simplesmente constituem o cerne
de qualquer ciência. Uma preferência por material textual é uma legitima opção de procedimento, desde que não se contraponha aos princípios elencados no próximo parágrafo.
Coleta de dados
Tanto Mayring (2002) quanto Flick e cols. (2000) consideram o
essencial da pesquisa qualitativa. Em ambas as publicações ressaltam-se o
além da formulação de perguntas abertas. Nas palavras de Mayring (p. 28), “
nem procedimentos metodológicos devem impedir a visão de aspectos essenciais do objeto
tempo, enfatiza, que “
da pesquisa precisam ser explicitados, ser documentados e seguir regras fundamentadas
técnicas
deve se adequar
Pode-se argumentar que não somente o controle metodológico, mas também as demais características mencionadas acima, aplicam-se a qualquer tipo de pesquisa. A questão subjacente que se coloca é a seguinte: a partir de que momento do processo de pesquisa vai-se de um caso específico, deixando-se portas abertas para agregar dados não esperados, não se restringindo a um único método padronizado? totalidade do indivíduo como objeto de estudo é essencial para a pesquisa qualitativa, i.é, o princípio da Gestalt. Além do mais, a concepção do objeto de estudo qualitativo sempre é visto na sua historicidade, no que diz respeito ao processo desenvolvimental do indivíduo e no contexto dentro do qual o indivíduo se formou. Tanto Mayring quanto Flick e cols. (2000) sublinham que o ponto de partida de um estudo seja centrado num problema, pois a diferenciação entre pesquisa básica e aplicada não é frutífera. Flick e cols.salientam, ainda, que as perspectivas de todos os participantes da pesquisa são relevantes e não apenas a do pesquisador.5 As aspas são do original. nos leva de volta às controvérsias entre a posição da Gestalt
Objeto de estudo

Para Mayring (2002) a ênfase na
A questão do objeto de estudo na pesquisa qualitativa
Tanto Mayring (2002) quanto Flick e cols. (2000) apontam
da interpretação de dados. Os acontecimentos no âmbito do processo de pesquisa não são desvinculados da vida fora do mesmo. Isto leva, ainda, a
Implica, ainda, num processo de
finalmente, numa
Uma distinção mais acentuada entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa diz respeito à interação dinâmica
entre o pesquisador e o objeto de estudo. No caso da pesquisa quantitativa, dificilmente se escuta o participante
após a coleta de dados. Uma inclusão de acontecimentos e conhecimentos cotidianos na interpretação de dados depende,
no caso da pesquisa quantitativa, da audiência e do meio de divulgação. Ao mesmo tempo em que um nível maior de
abstração pode impedir a inclusão do cotidiano, qualquer passo na direção de uma aplicação de resultados necessariamente
inclui o dia-a-dia. O mesmo se aplica para a questão do contexto. A reflexão contínua, obviamente, não é específica
da pesquisa qualitativa; deve acontecer em qualquer pesquisa científica.
acontecimentos e conhecimentos cotidianos como elementoscontextualidade como fio condutor de qualquer análise em contraste com uma abstração nos resultados para que sejam facilmente generalizáveis.reflexão contínua sobre o seu comportamento enquanto pesquisador e,interação dinâmica entre este e seu objeto de estudo.
Generalização de resultados
A generalização de resultados da pesquisa qualitativa passa por quatro dimensões. Mayring (2002) introduz o
conceito da
caso, estes dependem de uma argumentação explícita apontando quais generalizações seriam factíveis para circunstâncias
específicas. No caso da pesquisa quantitativa, uma amostra representativa asseguraria a possibilidade de uma
generalização dos resultados. Relaciona-se a isto a ênfase no
para chegar a hipóteses e generalizações. Entretanto, este processo deve seguir
específicas a cada circunstância. Desta maneira, é de suma importância que as regras sejam explicitadas para permitir
uma eventual generalização. Finalmente, Mayring não exclui a
da abordagem qualitativa é a de permitir uma quantificação com propósito. Desta maneira, poder-se-ia chegar a generalizações mais consubstanciadas.
generalização argumentativa. À medida que os achados na pesquisa qualitativa se apóiem em estudo deprocesso indutivo, partindo de elementos individuaisregras, que não são uniformes, masquantificação, mas enfatiza que a função importante
Postura pessoal do pesquisador
Uma primeira distinção entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa refere-se ao fato de que na pesquisa
qualitativa há aceitação explícita da influência de crenças e valores sobre a teoria, sobre a escolha de tópicos de pesquisa,
sobre o método e sobre a interpretação de resultados. Já na pesquisa quantitativa, crenças e valores pessoais não são
consideradas fontes de influência no processo científicas. Será mesmo? Considerando que um tema importante da
psicologia social é o estudo de atitudes, crenças e valores, a questão não é se valores influenciam comportamentos e

___________________________________
Interpretação dos resultados
Ao conceber o processo de pesquisa como um mosaico que descreve um fenômeno complexo a ser compreendido é fácil entender que as peças individuais representem um espectro de métodos e técnicas, que precisam estar abertas a novas idéias, perguntas e dados. Ao mesmo tempo, a diversidade nas peças deste mosaico inclui perguntas fechadas e abertas, implica em passos predeterminados e abertos, utiliza procedimentos qualitativos e quantitativos.
estudo de caso como o ponto de partida ou elementoprincípio da abertura. Tal postura vainem estruturações teóricas e hipóteses,[de pesquisa]”. Ao mesmoapesar da abertura exigida, os métodos são sujeitos a um controle contínuo (...) Os passos” (p. 29). O princípio da abertura se traduz para Flick e cols. (2000) no fato da pesquisa qualitativa ser caracterizada por um espectro de métodos e, adaptados ao caso específico, ao invés de um método padronizado único. Ressaltam, assim, que o métodoao objeto de estudo. 
Seguindo o pensamento de Dilthey citado acima, Flick e cols. (2000) apontam a primazia da compreensão comoprincípio do conhecimento, que prefere estudar relações complexas ao invés de explicá-las por meio do isolamento de variáveis. Uma segunda característica geral é a construção da realidade. A pesquisa é percebida como um ato subjetivo de construção. Os autores afirmam que a descoberta e a construção de teorias são objetos de estudo desta abordagem. Um quarto aspecto geral da pesquisa qualitativa, conforme estes autores, é que apesar da crescente importância de material visual, a pesquisa qualitativa é uma ciência baseada em textos, ou seja, a coleta de dados produz textos que nas diferentes técnicas analíticas são interpretados hermeneuticamente. Cabe alertar ao leitor que a primeira destas quatro características pode ser considerada um contraponto artificial.


Diferenciações entre a Pesquisa Qualitativa e a Pesquisa Quantitativa

RESUMO

Métodos Qualitativos e quantitativos na área da saúde:
                   definições, diferenças e seus objetos de pesquisa   Interesses e realizações referentes a pesquisas qualitativas têm sido crescentes no
Tem-se deparado, de modo crescente, com interesses
e com realizações de pesquisas qualitativas no
campo da saúde. Em conseqüência, há uma maior
demanda na busca dos programas de pesquisa institucional,
assim como na procura de congressos acadêmicos
e periódicos científicos, respectivamente,
para viabilizar projetos e divulgar os resultados de
seus trabalhos. Na última década, as pesquisas qualitativas
tornaram-se bem aceitas pelos jornais médicos.
Porém, em épocas passadas, esses pesquisadores
tinham os manuscritos rejeitados devido aos trabalhos
serem considerados não-científicos. Era como
se consistissem apenas de histórias curiosas contadas
por pessoas sobre os eventos de suas vidas, sem preocupações
sistemáticas, isto é, como se aquelas fossem
de caráter anedótico.
2
Hoje em dia, felizmente muitas revistas científicas
divulgam pesquisas qualitativas de modo habitual.
Por exemplo, a Revista de Saúde Pública, renomado
 
periódico brasileiro, possui até mesmo um roteiro de
avaliação de artigos qualitativos para seus consultores.
Atualmente, é fácil encontrar profissionais de saúde
que não somente dêem importância aos métodos
qualitativos na medicina, mas também reconhecem
sua ajuda para melhor compreender a vida dos pacientes.
Da mesma forma, uma quantidade crescente
dos próprios pesquisadores médicos está usando tais
métodos.
os métodos qualitativos estejam bem compreendidos
e utilizados por eles, pois alguns investigadores
apresentam seus relatórios qualitativos usando conclusões
do senso comum, entre outros problemas.
Frente a esses desafios, fazia-se necessário um artigo
tutorial que discutisse a metodologia da investigação
qualitativa, trazendo aos leitores suas mais importantes
definições. Complementarmente, tais definições
necessitariam ser comparadas com os clássicos
conceitos das pesquisas convencionais de campo
– tais como as epidemiológicas – e com outros procedimentos
de levantamentos científicos construídos
com mensurações e ferramentas matemáticas em geral.
E finalmente, o público acadêmico poderia melhor
discriminar os temas e constructos atualmente
mais procurados nesses campos metodológicos.
O objetivo preciso do presente texto é, portanto,
servir ao discernimento e ao aprofundamento sobre
a temática do método qualitativo, com um recorte
de objeto para empregá-lo no entendimento do
2 Isso não significa, necessariamente, que
setting
leitores e os consumidores destas produções científicas
para terem maior
da pertinência do caminho percorrido pelos
pesquisadores qualitativistas, desde o plano de pesquisa,
passando pela coleta de dados, até a interpretação
dos resultados. Igualmente, o presente artigo
carrega o escopo de fornecer subsídios àqueles acadêmicos
que pretendem elaborar seus projetos de
investigação qualitativa, para que o façam no rigor
esperado para qualquer geração de conhecimentos
em ciência. Assim, seguem-se as definições concernentes,
um comparativo entre as metodologias
e do processo saúde-doença. Os alvos são osclareza de critérios no julgamentoquáli
e
de elaborações conceituais, próprias dos vocabulários
de cada método.
quânti; finalizando com uma diversificada lista

Considere-se que o discurso das Ciências Naturais
– a Física, a Química, a Biologia e as numerosas ciências
derivadas, dentre elas as Ciências Médicas –
mescla-se com o entendimento dos métodos quantitativos
ou explicativos. Da mesma forma, a discussão
sobre as Ciências do Homem e da Cultura mistura-se
com a discussão sobre métodos qualitativos ou compreensivos.
O pensamento científico moderno, como
se sabe, nasceu há quase quatro séculos, com Galileu.
A ele se deve o legado de ter conferido autonomia à
Ciência, distinguindo-a da Filosofia e da Religião,
delimitando assim qual seria seu objeto, objetivo e
método (observação, experimentação e indução).
ciência estabeleceu-se, desde então, no objeto específico
das coisas da natureza, ou seja, no estudo das
leis que enunciam as ligações dos fenômenos entre
si, enquanto a filosofia deveria ocupar-se das questões
ontológicas (do ser enquanto ser) e, por fim, a
religião manteria as chamadas verdades religiosas
como seu objeto.
Por sua vez, a história dos métodos qualitativos
ou compreensivos é mais recente. Há pouco mais de
um século, juntando-se com o início das idéias de
se criarem as Ciências Humanas, surgem em contraponto
às então já organizadas Ciências Naturais.
Com seus métodos qualitativos, a disciplina de Antropologia
desenvolveu a chamada etnografia, cuja
revolução ocorreu nos anos 20 com as publicações
de Malinowski.
anos convivendo com nativos da Oceania, observando
participativamente o que lá ocorria. A partir
deste fato, a história da ciência atribuiu-lhe o
pioneirismo na metodologia científica qualitativa,
já que ele procurou descrever sistematicamente
como havia obtido seus dados e como ocorria a experiência
de campo.
Primeiramente, entretanto, deve-se dar mérito a
Marx e a Freud por terem propiciado importantes
cortes epistemológicos para compreensões novas e
profundas do ser humano, permitido estudos científicos
autônomos para as Ciências Humanas. Esses
pensadores construíram escolas que, respectivamente,
ergueram o véu que oculta os mecanismos da Ideologia
atuante nos grupos da sociedade e tiraram a
máscara que esconde os mecanismos do Inconsciente
atuante no mundo psíquico dos indivíduos.
decisivamente para a sustentação da
cientificidade das Ciências Humanas, nas quais se
encontra o lócus da construção metodológica da pesquisa
qualitativa.
8 A10 Esse antropólogo permaneceu alguns4 Contribuíram

Metodologicamente, para explicar cientificamente
os fenômenos relacionados a drogadição, por exemplo,
pesquisadores utilizam psiquiatria, epidemiologia
ou farmacologia clínica. Mas para compreender o
que a dependência química significa para a vida do
doente, este é um tema para os investigadores quali
 
tativistas, que podem ser: o psicólogo, o psicanalista,
o sociólogo, o antropólogo ou o educador. Entretanto,
seria interessante que os próprios profissionais
de saúde pudessem empregar métodos qualitativos,
com a vantagem de que eles já trazem – devido a sua
experiência em assistência – as inerentes atitudes clínica
e existencial.
ricos levantamentos de dados e façam interpretações
de resultados com grande autoridade.
Por outro lado, é decisivo que se trabalhe com
nitidez a concepção do método qualitativo de pesquisa,
pois não se convém imitar ingenuamente o
entendimento que se traz de outras abordagens investigativas.
Deve-se, assim, evitar assertivas destes
tipos: método de pesquisa que não lança mão de
recursos como números, cálculos de percentagem,
técnicas estatísticas, tabelas, amostras numericamente
representativas, ensaios randômicos, questionários
fechados ou escalas de avaliação. Tentar definir
pela via da negação não constitui obviamente uma
definição.
costuma concluir de modo intuitivo, que o método
qualitativo é usado para estudar a “qualidade” de
um objeto. No contexto da metodologia qualitativa
aplicada à saúde, emprega-se a concepção trazida
das Ciências Humanas, segundo as quais não se busca
estudar o fenômeno em si, mas entender seu significado
individual ou coletivo para a vida das pessoas.
Torna-se indispensável assim saber o que os
fenômenos da doença e da vida em geral representam
para elas. O
em torno do que as coisas significam, as pessoas
organizarão de certo modo suas vidas, incluindo seus
próprios cuidados com a saúde.
Não se confunda, no entanto, pesquisa qualitativa
nas Ciências Humanas e da Saúde com o usual
nas Ciências Naturais, as quais se ocupam de conduzir
estudos também chamados de qualitativos.
Nestas, o pesquisador fixa seu interesse em conhecer,
agora certamente, as “qualidades” físicas, químicas
ou biológicas de seu objeto de investigação.
Pesquisadores das Ciências da Natureza falam comumente
do emprego de métodos qualitativos ao se
ocuparem, como num exemplo das áreas biológicas,
na parasitologia médica, do objetivo de detectar
a presença ou não de protozoários num material
coletado para análises clínicas. Trata-se do termo
14 Isso permitirá que eles realizem14 Também não é o caso de dizer, como sesignificado tem função estruturante:
qualitativo
dentro de seu modelo epistemológico-metodológico.
Para tanto, o pesquisador utilizará técnicas tais
como: coleta de material dentro de procedimentos
de obtenção precisa, acondicionamentos em recipientes
adequados, cuidados com a identificação do
material e sua análise em laboratório bem equipado.
Em suma, esse pesquisador terá estudado um
particular fenômeno da Natureza, em profundidade,
descrevendo-o em suas propriedades, fazendo assim
, obviamente com significado próprio
pesquisa qualitativa em Ciências Naturais
Voltando para o contexto das Ciências do Homem
e da Saúde, transcreve-se inicialmente uma definição
genérica de métodos qualitativos apresentada
pelos sociólogos Denzin & Lincoln,
citada na literatura: “Os pesquisadores qualitativistas
estudam as coisas em seu
dar sentido ou interpretar fenômenos nos termos das
significações que as pessoas trazem para estes”. A
mera leitura da definição acima pode ser insuficiente
para uma compreensão acurada ao leitor desacostumado
com a prática dessas pesquisas. Sublinha-se
novamente que, se não é diretamente o estudo do
fenômeno em si que interessa a esses pesquisadores,
seu alvo é, na verdade, a
ganha para os que o vivenciam.
Em palavras semelhantes, os educadores Bogdan
& Biklen
procuram entender o processo pelo qual as
pessoas constroem significados e descrevem o que
são estes”. Esses autores também tomam
.6 habitualmentesetting natural, tentandosignificação que tal fenômeno1 pontuam: “[Os pesquisadores qualitativistas]significado
como idéia-chave. Depreende-se que o pesquisador
qualitativista não quer explicar as ocorrências
com as pessoas, individual ou coletivamente, listando
e mensurando seus comportamentos ou correlacionando
quantitativamente eventos de suas vidas.
Porém, ele pretende conhecer a fundo suas vivências,
e que representações essas pessoas têm dessas
experiências de vida.
Por sua vez, organizando uma definição detalhada
de métodos qualitativos, as enfermeiras Morse &
Field,
holísticos, êmicos, subjetivos e orientados para o
processo; usados para compreender, interpretar, descrever
e desenvolver teorias relativas a um fenômeno
ou a um
ser abrangentes em sua definição, infelizmente deixaram
de fora os termos significado/significação.
No seu alvo amplo, no entanto, ganha força a palavra
12 assim os caracterizam: “Indutivos,setting”. Embora as autoras procurassem
teoria
não é apenas um modo de pesquisa que atende a
certas demandas. Ele tem o fim comum de criar um
modelo de entendimento profundo de ligações entre
elementos, isto é, de falar de uma ordem que é
invisível ao olhar comum. Saliente-se ainda o termo
que implica que o método qualitativo é
processo
o método qualitativo como aquele que quer entender
, aqui particularmente rico, caracterizando
como
e não aquele que almeja o
resultados finais matematicamente trabalhados. Por
o objeto de estudo acontece ou se manifesta;produto, isto é, os
 
sua vez, o raciocínio
que estes pesquisadores se fundamentariam sobre
os dados de campo, estudando individualidades a
fundo e colecionando informações que, paulatinamente,
desembocariam na construção de uma
indutivo é relativo ao fato deteoria
densa e plausível. Êmico quer dizer que a interpretação
do cientista há de ser feita na perspectiva dos
entrevistados e não uma discussão na visão do pesquisador
ou a partir da literatura. Deve-se principalmente
trazer conhecimentos originais e não se fixar
em confirmar as teorias já existentes, pois assim a
ciência não avança.
Privilegiando, a seu turno, uma
definição estrutural
e com objetivos contemplando a visão sociológica,
Minayo,
como: “[
do significado e da intencionalidade como inerentes
aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo
essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto
na sua transformação, como construções humanas significativas”.
Novamente o termo
presença, neste contexto com interesse pelas estruturas
sociais, procurando conhecer o
estruturas para os sujeitos sob estudo.
Por fim, apresenta-se a definição do
qualitativo
dos métodos qualitativos genéricos das Ciências
Humanas, porém voltado especificamente
para os
que busca interpretar os significados – de natureza
psicológica e complementarmente sociocultural –
trazidos por indivíduos (pacientes ou outras pessoas
preocupadas ou que se ocupam com problemas
da saúde, tais como familiares, profissionais de saúde
e sujeitos da comunidade), acerca dos múltiplos
fenômenos pertinentes ao campo dos problemas da
saúde-doença”.
11 aponta as metodologias qualitativas...] aquelas capazes de incorporar a questãosignificado ganhaquerer-dizer dasmétodo clínico-, uma particularização e um refinamentosettings das vivências em saúde: “Aquele13
Nesse particular método, o pesquisador é chamado
a usar um quadro eclético de referenciais teóricos para
redação de seu projeto e para a discussão dos resultados,
sempre no espírito da interdisciplinaridade. Todo
o empreendimento deve ser sustentado por três pilares,
que funcionam como características demarcadoras
e consistem das seguintes atitudes: existencialista,
clínica e psicanalítica. Essas propiciam, respectivamente:
uma postura de acolhida das angústias e ansiedades
inerentes do ser humano; uma aproximação
própria de quem habitualmente já trabalha na ajuda
terapêutica; e a escuta e a valorização dos aspectos
psicodinâmicos mobilizados sobretudo na relação
afetiva e direta com os sujeitos sob estudo.Esse método
tem-se provado adequado em pesquisas qualitativas
já realizadas no campo da saúde.
3,5,7
(* )( ()-  1*-")(* $* --$$*
.%(/"-(-"0$*
Primeiramente, o interesse do pesquisador volta-se
para a busca do
tem um
as “coisas” (fenômenos, manifestações, ocorrências,
fatos, eventos, vivências, idéias, sentimentos, assuntos)
representam, dá molde à vida das pessoas. Num
outro nível, os significados que as “coisas” ganham,
passam também a ser partilhados culturalmente e assim
organizam o grupo social em torno destas representações
e simbolismos. Nos
particular, conhecer as
do processo saúde-doença é essencial para realizar as
seguintes coisas: melhorar a qualidade da relação
profissional-paciente-família-instituição; promover
maior adesão de pacientes e da população frente a
tratamentos ministrados individualmente e de medidas
implementadas coletivamente; entender mais profundamente
certos sentimentos, idéias e comportamentos
dos doentes, assim como de seus familiares e
mesmo da equipe profissional de saúde.
Segunda propriedade do método: o
significado das coisas, porque estepapel organizador nos seres humanos. O quesettings da saúde emsignificações dos fenômenosambiente natural
do sujeito é inequivocamente o campo onde
ocorrerá a observação sem o controle de variáveis.
Terceiro ponto: o pesquisador é o próprio
instrumento
de pesquisa, usando diretamente seus órgãos do
sentido para apreender os objetos em estudo, espelhando-
os então em sua consciência onde se tornam
fenomenologicamente representados para serem interpretados.
Quarto atributo: o método tem maior força
no rigor da validade (
já que a observação dos sujeitos, por ser acurada,
e sua escuta em entrevista, por ser em profundidade,
tendem a levar o pesquisador bem próximo da essência
da questão em estudo. Quinta característica: se a
validity) dos dados coletados,
generalização
obtidos, pois não se pauta em quantificações
das ocorrências ou estabelecimento de relações causa-
efeito, ela se torna possível a partir dos pressupostos
iniciais revistos, ou melhor, dos conceitos construídos
ou conhecimentos originais produzidos. Caberá
ao leitor e consumidor da pesquisa usá-los para
examinar sua plausibilidade e utilidade para entender
casos e
Com finalidade didática, é relevante traçar os perfis
comparativos entre as características das metodologias
não é a dos resultados (matematicamente)settings novos.
quáli
Tabela 1, o leitor contemplará os
ambas as metodologias, iniciando por qual atitude científica
se deve ter quando utilizado um ou outro método.
Vê-se também a força maior de cada método
(
e quânti aplicadas ao campo da saúde. Naníveis conceituais dereliability versus validity), assim como qual deveria
ser o real
uma e outra estratégia metodológica; e finalmente,
identificar as dessemelhanças quanto ao
projeto
pesquisa. Ponto crítico é mostrar as distinções existentes
na
sujeitos. A
os caminhos de lapidação daquilo que foi coletado
em ambos os métodos. Por fim, há de se clarear o que
são as
com o conseqüente trabalho de desfazer os nós quanto
à
método quantitativo e pelo qualitativo.
Essa importante tábua de dissimilitudes mostra que
os métodos têm identidades próprias, do momento
em que seus autores levantam as perguntas (hipóteses
de trabalho) até quando redigem seus relatórios
finais de pesquisa. A complexidade de cada empreitada
e, sobretudo, as construções epistemológicas
autônomas desautorizam grande parte das pesquisas,
que se auto-intitulam como “quanti-quali”, a continuar
apresentando-se ao meio acadêmico por meio
deste presumido modelo misto. Na realidade, muitos
dos trabalhos assim denominados são apenas de construção
quantitativa, já que encaixar simples citações
literais de falas de sujeitos, que responderam a questionários
previamente padronizados, não configura
legitimamente a existência de uma reivindicada simultaneidade
com pesquisa qualitativa.
Encerrando o presente artigo, advêm as Tabelas 2
e 3, aspirando codificar, respectivamente, os construtos
mais comuns usados nas pesquisas qualitativas
e quantitativas. Em apreciação panorâmica e
comparativa de ambos os quadros, é esperado que o
leitor se aproprie da capacidade de distinguir os
enquadres da saúde a que se reservam ambos os
métodos. Na coluna da direita, ao explicitar como
cada concepção se constitui, foram empregadas definições
bem estabelecidas na literatura da epidemiologia
9
e/ou bem tipificadas como descritores nas
ciências da saúde.
15
recorte do objeto eleito para investigação emdesenho doe aos tipos de instrumentos usuais para cadatécnica de amostragem e o perfil da amostra deanálise dos dados mostra que são diferentesconclusões, de fato, de um e de outro método,generalização realmente possível e pretendida pelo
_________________________________________________

PESQUISA QUALITATIVA


Egberto Ribeiro Turato
campo da saúde. Por conseqüência, tem havido maior demanda para os programas
de pesquisa institucional e para publicações nos periódicos científicos. Frente a esta
realidade, o presente artigo teve os seguintes objetivos: (a) apresentar definições de
métodos qualitativos usados nas Ciências do Homem e nas Ciências da Saúde; (b)
compará-los com os métodos quantitativos comuns das Ciências da Saúde; (c)
ilustrar o assunto com os constructos mais importantes nesses campos metodológicos.
São fornecidos critérios para julgar a pertinência do caminho percorrido pelos
pesquisadores qualitativistas, desde a elaboração do plano de pesquisa até a
interpretação dos resultados.

The interest and accomplishments in qualitative research have been increasing in
health. As a consequence, there is a greater demand for both institutional research
programs and scientific journal publications. This article has the following purposes:
(a) to present some definitions in qualitative methods used in Humanities and
Health; (b) to compare them to the usual quantitative methods of health sciences;
and, finally, (c) to illustrate the subject with the most important constructs in these
methodological fields. Above all, the author’s scope was to provide criteria to
evaluate the pertinence of the path taken by qualitative researchers, from research
plan elaboration to result interpretation.


BUSCA DE EQUILÍBRIO ENTRE FORMA E CONTEÚDO

Adriana Alves[1]
Resumo
Neste artigo pretende-se apresentar o diário de bordo como ferramenta auxiliar para o registro no desenvolvimento de uma pesquisa-ação. Para tanto, extraímos fragmentos de uma dissertação[2] de Mestrado na qual uma prática docente foi observada, utilizando-se o registro na forma de diário de bordo como elemento para coleta de dados durante a pesquisa. Deste modo, este trabalho constituiu-se como uma tentativa de exemplificar o procedimento metodológico do diário de bordo para auxiliar a pesquisa-ação.  

Palavras-chave: registro, diário de bordo, interdisciplinaridade, prática docente.


1     Introdução
No sentido de colaborar com as discussões sobre a implantação da metodologia “pesquisa-ação” nas ações de formação do Grupo de Referência em Gestão, apresentamos para discussão algumas informações sobre o processo de reflexão na formação profissional, bem como considerações sobre o registro na forma de diário de bordo.

2     O diário de bordo e o professor prático-reflexivo
Partindo do pressuposto que a metodologia da pesquisa-ação requer um cuidadoso registro, por estar estritamente vinculado à prática escolar cotidiana, vemos no diário de bordo uma grande contribuição para o registro do processo. 
Relativamente ao diário de bordo convém registrar sua importância no processo de reflexão-na-ação (SCHÖN, 2000), na formação e no exercício profissional de professores práticos reflexivos.

Existem formas diferentes de considerar o conhecimento, a aprendizagem e o ensino, mas antes de tudo está a noção de saber escolar como um tipo de conhecimento que se supõe que os professores possuam e transmitirão aos alunos. É um saber de respostas exatas, proveniente de fatos e teorias estabelecidas por pesquisas, que avança de níveis mais elementares para níveis mais elevados.
Entretanto, há outra visão, o “conhecimento tácito”[3], que se pode reconhecer nos alunos e na prática do professor porque está diretamente relacionado ao seu conhecer-na-ação, que é espontâneo, intuitivo, experimental, cotidiano. O professor que se familiarizar com este tipo de conhecimento, possuirá uma “habilidosa prática de ensino”. Nas palavras de Schön (1995):
Este tipo de professor esforça-se por ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento ajudando-o a articular o seu conhecimento-na-ação com o saber escolar. Este tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação que exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção de seu grau de compreensão e das suas dificuldades.

Neste sentido, Schön (1995) descreve os passos para uma habilidosa prática de ensino de um professor reflexivo:
1º - Um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz (desvio de seu próprio conhecer-na-ação porque ao provocar o aluno com uma pergunta, o professor tem uma previsão tácita de qual será a resposta);
2º - Ao ser pego pela surpresa, o professor reflete sobre o fato; ao pensar sobre o que aconteceu e compreender a razão pela qual foi surpreendido, ele inicia o processo de reflexão-na-ação;
3º - O professor reformula a situação geradora do problema, para analisar o comportamento do aluno;
4º - Depois, testa sua nova hipótese.
Este processo de reflexão-na-ação não exige palavras, mas quando o professor, passado um tempo após a aula, pensa no sucedido, realiza o que Schön nomeia de reflexão sobre a reflexão-na-ação, uma ação que exige o uso de palavras (descrição, memorial, diário de bordo). E aqui relacionamos a importância do treino do registro deste processo de reflexão no diário de bordo, pois também se constitui como parte dos fundamentos da prática docente interdisciplinar (FAZENDA, 2006a, p. 81-87), já que este registro facilita o movimento dialético que realizamos no decorrer de nossa ação interdisciplinar.
É conveniente destacar os fundamentos (FAZENDA, 2006a, p. 81-87) de uma prática docente interdisciplinar, pois “a sala de aula é o lugar onde a Interdisciplinaridade habita”.

Os fundamentos são:

            1º) Movimento Dialético: próprio da atitude interdisciplinar. Consiste na ação de revisitar o “velho” para torná-lo “novo”, e de reconhecer, no “novo”, a existência de algo do “velho”. Este movimento nos permite tomar consciência de que, depois de anos de serviço, temos uma experiência acumulada, a qual deve ser a base para nossas ações futuras (o velho que se torna novo), e de que, nestas ações, existirão vestígios destas experiências (o novo que tem algo do velho). Neste movimento, dialogamos o tempo todo com nossas produções interdisciplinares, o que lhes dá um caráter teórico-prático ou prático-teórico. Caminha-se na direção da superação da dicotomia teoria e prática. 
Deste primeiro fundamento também decorre a importância do registro das experiências vividas como um instrumento para realizar o movimento dialético. FAZENDA (2006a, p.25-26), depois de diversas pesquisas, observou o valor dos registros das situações vividas em trabalhos interdisciplinares, porque a partir do seu estudo, pode-se analisar as condições de êxito e fracasso, considerando-os como um dos pressupostos básicos para uma metodologia interdisciplinar.
2º) Recurso da memória: também possibilita o movimento dialético e uma releitura crítica, e de muitas perspectivas, de fatos ocorridos nas práticas docentes.
3º) Parceria: categoria mestra dos trabalhos interdisciplinares. Surge da necessidade de uma troca e até da insegurança inicial em desenvolver um trabalho interdisciplinar ou da solidão dos profissionais nas instituições em que trabalham. É a possibilidade de consolidação da intersubjetividade, tão rica quanto a objetividade.
4º) Perfil de uma sala de aula interdisciplinar: transgride as regras de controle utilizadas porque a autoridade é conquistada; a obrigação transforma-se em satisfação; a arrogância, em humildade; a solidão, em cooperação; a especialização pela generalidade; necessita de uma nova organização do espaço e do tempo. O grupo ganha a riqueza da heretorgeneidade e a reprodução transforma-se em produção de conhecimento.
5º) Aspectos que alicerçam o desenvolvimento dos projetos interdisciplinares.
v  Respeito ao modo de ser de cada um na busca de sua autonomia (respeito);
v  Existência de um projeto inicial claro, coerente e detalhado (coerência e clareza);
v  Presença de projetos pessoais de vida exigindo uma espera adequada (espera);
v  Bibliografia é sempre provisória, pois o conhecimento interdisciplinar busca a totalidade do conhecimento, respeitando-se a especificidade das disciplinas (provisoriedade do conhecimento).

A observância destes fundamentos e dos aspectos do projeto auxilia o desenvolvimento do pensar e agir interdisciplinarmente, para evitar a improvisação e a acomodação que surgem quando se vê a Interdisciplinaridade como uma moda na Educação.
Ao percorrermos, ainda que de forma introdutória, o caminho da teoria da Interdisciplinaridade observamos, também, não ser possível separar a atitude interdisciplinar do professor da atitude do pesquisador.
A investigação interdisciplinar, segundo FAZENDA (2001, p.22), procura os “vestígios que se apresentam ao pesquisador como lampejos de verdade”. Ao investigador cabe decifrá-los e reordená-los para intuir o que seria a “verdade absoluta” e os indícios do caminho a seguir.
Cabe lembrar a motivação inicial da pesquisa que deu origem ao diário de bordo que será apresentado. Deste modo, convém citar a proposta original para uma adequada contextualização dos trechos do diário de bordo desta pesquisa, já que o nosso foco está no uso deste recurso como forma de registro. Assim, a Professora que desejava resgatar o ensino de geometria euclidiana no ensino fundamental e médio, elaborou um plano de trabalho com uma abordagem que partisse da observação de pinturas de artistas plásticos renomados.
A intenção era, a partir deste plano, abrir um espaço na sala de aula de matemática, no qual, a partir do conteúdo de geometria, relacionada à arte (pinturas), ocorresse o desenvolvimento da criatividade, transformando a aula em um espaço de prazer, criação e educação, com a vivência de experiências matemáticas positivas e prazerosas.
Acreditando que a imaginação e a intuição são instrumentos importantes para a construção do conhecimento e para a transcendência de um ser múltiplo em suas potencialidades, mas uno como criação divina, relacionou a arte neste processo, pois a entendia como possibilidade de ir além do conteúdo, ao despertar a sensibilidade, a intuição, estimulando a percepção do mundo através de outras formas.
Deste modo, na tentativa de compreender o porquê da origem das dificuldades em matemática, abrindo um espaço para que a Professora e os alunos descobrissem juntos o sentido do ensino de matemática, estabeleceu-se na pesquisa um grupo-pesquisador, seguindo a metodologia de Gauthier[4], no qual a Professora da turma (enquanto Pesquisadora) acumulou a função de facilitadora da pesquisa. Este grupo-pesquisador era composto por uma 5ª série do Ciclo II do Ensino Fundamental (10 – 11 anos de idade), com um total de 40 pessoas (39 alunos e a Professora).
Como a principal intenção era observar como os alunos e a sua Professora de Matemática se comportariam quando fosse dado o espaço para perguntar e quais os confetos[5] que poderiam ser construídos por este grupo no decorrer das atividades, a Pesquisadora (enquanto Professora destes alunos) criou uma sequência didática para atingir tal objetivo. Apresentaremos a seguir para facilitar a compreensão:





1º módulo
Datas: 23, 26 e 27 de abril de 2007.
Tema da aula: formas geométricas (planas e não-planas)
 Objetivo da aula: introdução (ou revisão) do conceito de figuras bidimensionais ou tridimensionais.
Descrição das atividades:
1. Os alunos irão observar as pinturas[6] escolhidas pela Professora, expostas na sala de aula (10 minutos);
2.     Na sequência, irão responder individualmente ao questionário (20 minutos);
3.     Quadro Coletivo: a classe irá observar cada obra; a Professora fará perguntas sobre as telas para que os alunos identifiquem oralmente as principais figuras geométricas representadas; a lousa será dividida em duas colunas onde a Professora escreverá as palavras ditas pelos alunos, relativas às figuras planas e as não-planas; a lista, construída coletivamente, deverá ser copiada no caderno (20 minutos);
4.     Entregar o desenho da tartaruga para que os alunos meçam as dimensões (largura e comprimento); pintar; recortar e montar (ela fica tridimensional), para medir a altura (30 minutos);
5.     Avaliação – entregar as três perguntas para que eles respondam (20 minutos).
Material necessário: pinturas numeradas, fita adesiva, questionários (com folha anexa), desenho da tartaruga, régua, lápis de cor, cola e tesoura, questões da avaliação.
Avaliação: três perguntas básicas
1. O que você aprendeu na aula de hoje?
2.     O que você gostou (ou não gostou) na aula de hoje?
3.     Qual pergunta você faria para a Professora depois da aula de hoje?
Comentários adicionais: é bom considerar que as crianças já possuem alguma noção de geometria (não são folhas em branco!)

A seguir, apresentaremos as anotações do diário de bordo da Professora  depois de aplicado o módulo.

Dia: 23 – 04 – 07
Foi legal ver as crianças olhando curiosas os desenhos. Subi às 12h50 para arrumar a sala; colei nas paredes, bem espaçadas, as 16 reproduções que eu escolhi para que a sala ficasse parecendo uma galeria de arte. Quando os alunos entraram, ficaram surpresos com aquelas coisas penduradas na sala. Comecei dando as instruções. Quando eles foram olhar, foi interessante a reação: curiosidade, apontavam com o dedo, conversavam entre si. Quando disse que eles teriam que escolher uma, muitos escolheram por achar que teriam que desenhar depois. Entreguei os questionários. Ainda não li. Tiveram um pouco de dificuldade com o vocabulário e para entender a pergunta 6 (Na tela escolhida, você identifica quais elementos geométricos?). Também não entenderam a questão 2 (Ao escolher esta pintura, sentiu alguma emoção em especial que gostaria de descrever?) que falava dos sentimentos. Foi um pouco difícil fazer o quadro coletivo, mas saiu. Entreguei a tartaruga e eles gostaram de pintar, mas não deu tempo de montar porque quando pedi para medir a largura e o comprimento, foi uma confusão só! O desenho não é simétrico, o que dificulta medir, ainda mais porque eles não têm muita prática com a régua. Para um grupo que se formou espontaneamente e que estava um pouco adiantado, expliquei que poderiam desenhar um retângulo em volta da tartaruga para que os pontos extremos fossem marcados e depois medidos. Recolhi todas e vamos terminar dia 26/04/07 (5ªfeira). Tive que acelerar para dar tempo de fazer a avaliação que acho que não rendeu como eu esperava. Como percebi um grande interesse deles pela arte, alguns até já conheciam o Abaporu da Tarsila, marquei uma aula para a releitura das obras que escolheram (também para 5ª feira – 26/04). No mais, acho que a arte é um elemento que motiva muito, mas não sei se vou fazer uma boa relação com a geometria. Vamos aguardar.

A partir deste fragmento do diário de bordo da Professora é possível observar a análise da Pesquisadora no trecho a seguir:
Podemos notar no depoimento da Professora, uma insegurança muito grande relativa ao adequado estímulo partindo da observação das telas trazidas para a sala de aula. Também é possível notar que ela já começa a perceber que pode não ter encontrado a melhor linguagem para redigir as perguntas, talvez porque ainda não há a clareza necessária ao processo.

Com relação ao processo de elaboração deste plano de aula e a formulação das questões que atenderiam ao objetivo da Pesquisadora, cabe apresentar parte do processo vivenciado:
Este questionário surgiu depois de uma longa reflexão sobre quais as melhores perguntas que poderiam ativar tanto respostas como novas perguntas, intelectuais ou existenciais. A elaboração destas perguntas foi um longo processo, descrito pela Professora Adriana em seu diário de bordo, da seguinte maneira:

Como é difícil fazer perguntas que abordem os conteúdos de outra forma, procurando o significado ou um sentido para aquele objeto em questão! Pensar na parte intelectual sem os verbos efetuar, calcular, determinar, encontrar (o valor de...) é muito difícil. Por isso que eu digo que só sabemos executar ordens e não a pensar, refletir sobre o que estamos fazendo.

Com relação às perguntas existenciais, também é muito difícil entrar no mundo dos sentimentos e emoções. Talvez seja por muito de repressão à intuição. Ela deve estar oculta em alguma parte, mas também ‘tá’ difícil estimulá-la.

Convém lembrar que, de acordo com os fundamentos da prática docente interdisciplinar, a Professora realizou um movimento dialético que a levou de “atriz à autora”, já que em sua “nova” produção, buscou elementos em práticas antigas. Revisitou o velho, atualizando este conhecimento à luz dos novos, que foram incorporados ao seu cotidiano. Equivale dizer que, para iniciar esta pesquisa, ela não pode abandonar a bagagem acumulada pelos vários anos de prática docente.
Outro aspecto cabe destaque: o recurso do registro de suas reflexões em diários de bordo: prática que utilizava há muitos anos, facilitadora do movimento dialético entre velho e novo, descrito anteriormente.
Outra observação foi a preocupação em proporcionar atividades que pudessem estabelecer parcerias, estimulando a autonomia dos alunos, na tentativa de se estabelecer uma relação dialógica facilitadora da construção das perguntas.


3     Considerações Finais
Esperamos ter demonstrado, a partir de fragmentos de um diário de bordo utilizado como elemento de registro de uma Professora enquanto Pesquisadora da sua própria prática docente, o quanto este elemento pode se constituir como valiosa ferramenta de suporte ao processo da pesquisa-ação.





Referências Bibliográficas
ALVES, Adriana. Interdisciplinaridade e matemática. In: Fazenda, Ivani (Org). O que é Interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p.97-111.
____________________. O sentido do ato de perguntar em Matemática: uma investigação interdisciplinar. 2007. 134f.  Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

FAZENDA. Ivani C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 13ª. ed. Campinas: Papirus, 2006. (a)
____________________. (org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 8ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. (b)
____________________. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? 5ª. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
­­____________________. (org.). Didática e Interdisciplinaridade. 10ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2005.

GAUTHIER, Jacques Z. A questão da metáfora, da referência e do sentido em pesquisas qualitativas: o aporte da sociopoética in Revista Brasileira de Educação (nº 25), p. 127-142, 2004.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.


[1] Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[2] “O sentido do ato de perguntar em Matemática: uma investigação interdisciplinar” – PUC/SP, 2007.
[3] Expressão utilizada pelo filósofo Michael Polanyi (In: SCHÖN, 1995 apud NÓVOA, 1995, p.82).
[4] A dissertação “O sentido do ato de perguntar em Matemática: uma investigação interdisciplinar” utilizou os princípios da sociopoética, segundo Gauthier (2004) como um dos fundamentos metodológicos.
[5] Para Gauthier, os confetos são elementos intermediários entre o afeto e os conceitos, que se originam em pensamentos metafóricos criados pelo grupo-pesquisador.
[6] Dentre um universo de biografias lidas e obras pesquisadas, as que foram selecionadas atenderam aos critérios de afinidade aos temas relacionados à geometria e por representarem uma diversidade de estilos. Assim, foram utilizadas telas dos seguintes pintores: Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Piet Mondrian e Wassily Kandinsky.



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