GRUPO FOCAL: técnica de coleta de dados em
pesquisas qualitativas
Cláudia Augusto Dias1
Os grupos focais, ou entrevistas de grupo focal têm sido empregados em pesquisas
mercadológicas desde os anos 50 e, a partir dos anos 80, começaram a despertar o interesse
dos pesquisadores em outras áreas do conhecimento, como as Ciências Sociais, a
Ergonomia, as Ciências Médicas, a Ciência da Informação, entre outras. Pela crescente
aplicação dessa técnica, inclusive em pesquisas acadêmicas, e por ter sido ainda pouco
explorada na literatura científica, seria oportuno analisá-la como alternativa às técnicas de
coleta de dados mais tradicionais, tais como questionários e entrevistas individuais.
Pesquisas qualitativas e quantitativas
As pesquisas são subdivididas, na literatura científica, em dois tipos quantitativas e
qualitativas. A pesquisa quantitativa normalmente se mostra apropriada quando existe a
possibilidade de medidas quantificáveis de variáveis e inferências a partir de amostras de
uma população. Esse tipo de pesquisa usa medidas numéricas para testar constructos
científicos e hipóteses, ou busca padrões numéricos relacionados a conceitos cotidianos.
Em contrapartida, a pesquisa qualitativa caracteriza-se, principalmente, pela ausência de
medidas numéricas e análises estatísticas, examinando aspectos mais profundos e
subjetivos do tema em estudo. Segundo Liebscher (1998), para aprender métodos
qualitativos é preciso aprender a observar, registrar e analisar interações reais entre
pessoas, e entre pessoas e sistemas.
Analisando os métodos qualitativos utilizados na área de Marketing, Calder (1977)
concluiu que, a pesquisa qualitativa proporciona um conhecimento mais profundo e
subjetivo do cliente e, na prática, tem se tornado quase sinônimo de entrevista de grupo
focal.
Diferentes abordagens da pesquisa qualitativa
De forma geral, os métodos qualitativos são menos estruturados, proporcionam um
relacionamento mais longo e flexível entre o pesquisador e os entrevistados, e lidam com
informações mais subjetivas, amplas e com maior riqueza de detalhes do que os métodos
quantitativos. Calder (1977) classifica os métodos qualitativos, segundo suas possibilidades de uso, em três grandes categorias ou abordagens: exploratória,
fenomenológica e clínica.
Geralmente, a abordagem exploratória ocorre em duas situações distintas: quando o
pesquisador está interessado em testar aspectos operacionais de uma pesquisa quantitativa,
como por exemplo, o teste-piloto de um questionário; ou quando seu objetivo é estimular o
próprio pensamento científico, por meio da concepção mais aprofundada de um problema e
da geração de novas idéias ou hipóteses a serem testadas em pesquisas futuras. Além de ser
utilizada em pesquisas científicas em áreas ainda inexploradas pelo pesquisador, esta
abordagem tem sido empregada com sucesso em pesquisas de opinião e mercadológicas,
detectando novos produtos e serviços, novas necessidades dos clientes, e captando suas
reações a produtos e serviços antes de serem lançados no mercado.
A abordagem fenomenológica, denominada por Aaker (1990, p. 162) como de
orientação, tem como propósito “transferir” o pesquisador para o ambiente que lhe é pouco
ou nada familiar, fazendo com que experimente as mesmas sensações, problemas,
necessidades e satisfações da população pesquisada. Ao se “transformar” em membro
dessa população, o pesquisador aprende sua linguagem, seu vocabulário e adquire
subsídios mais consistentes para sua pesquisa, a partir de uma interação muito mais
próxima com a realidade, sob o ponto de vista do universo pesquisado.
A abordagem clínica, por sua vez, objetiva trazer à tona sensações e sentimentos
que não poderiam ser facilmente percebidos por meio de métodos de pesquisa estruturados.
Na verdade, lida com informações veladas, por vezes inconscientes e inacessíveis nos
relacionamentos interpessoais, constituindo-se em uma boa ferramenta na obtenção de
informações úteis para o julgamento clínico de um profissional especializado. Alguns
autores nem mesmo consideram a abordagem clínica como método científico. Segundo
Calder (1977), seu caráter científico não está relacionado ao método e sim ao grau de
conhecimento científico necessário ao pesquisador que o utiliza.
Técnicas mais utilizadas em pesquisas qualitativas
Dentre as técnicas mais utilizadas em pesquisas qualitativas, destacam-se as
entrevistas não direcionadas e semi-estruturadas, as técnicas projetivas e os grupos focais.
As entrevistas não direcionadas e as semi-estruturadas ocorrem entre um único
entrevistado e um entrevistador, isto é, ambas são entrevistas individuais, porém
diferenciam-se pelo maior ou menor grau de intervenção e direcionamento exercido pelo
entrevistador, ao estruturar o tópico pesquisado ou a seqüência de perguntas. Essas
entrevistas podem ser empregadas tanto em pesquisas qualitativas exploratórias como
fenomenológicas ou clínicas.
Por sua vez, as técnicas projetivas são usadas quando o pesquisador considera
praticamente impossível aos entrevistados responderem sobre as reais razões que os levam
a assumir certas atitudes e comportamentos. Muitas vezes as próprias pessoas
desconhecem seus sentimentos e opiniões a respeito de determinado assunto, sendo
incapazes de verbalizar seus verdadeiros sentimentos e motivações. O pesquisador, nesses
casos, apresenta um estímulo ambíguo aos entrevistados e observa suas reações no
relacionamento com esse estímulo. Esse tipo de técnica é bastante utilizado em sessões de
psicoterapia, quando o paciente é solicitado a se projetar como se fosse outra pessoa ou
objeto e a expressar seus sentimentos sob essa nova identidade. Por meio da observação do comportamento do paciente, o psicoterapeuta é capaz de traçar um perfil psicológico do
paciente, o qual poderá ser utilizado como subsídio para seu julgamento clínico. Apesar de
ser utilizada também em pesquisas exploratórias, é uma técnica voltada, essencialmente,
para a abordagem clínica da pesquisa qualitativa.
O grupo focal, desde sua concepção, há mais de 40 anos, tem apresentado ciclos de
popularidade. Atualmente parece ter conquistado níveis de alta popularidade, despertando
o interesse não só dos profissionais de Marketing, área que primeiro explorou essa técnica,
como também de sociólogos, engenheiros e outros pesquisadores acadêmicos. É uma
técnica perfeitamente adaptável a qualquer tipo de abordagem – exploratória,
fenomenológica ou clínica.
O que vem a ser o grupo focal ?
Para Caplan (1990), os grupos focais são “pequenos grupos de pessoas reunidos
para avaliar conceitos ou identificar problemas”, constituindo-se em uma ferramenta
comum usada em pesquisas de marketing para determinar as reações dos consumidores a
novos produtos, serviços ou mensagens promocionais.
Na concepção de Vaughn et al. (1996), que utilizaram essa técnica em pesquisas na
área educacional, a entrevista de grupo focal é uma técnica qualitativa que pode ser usada
sozinha ou com outras técnicas qualitativas ou quantitativas para aprofundar o
conhecimento das necessidades de usuários e clientes.
Alguns autores utilizam a nomenclatura entrevista de grupo focal, enquanto outros
preferem sua forma simplificada – grupo focal. Neste artigo, esses dois termos são
utilizados como sinônimos.
Objetivos e descrição da técnica
O objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e
idéias dos participantes a respeito de um determinado assunto, produto ou atividade. Seus
objetivos específicos variam de acordo com a abordagem de pesquisa. Em pesquisas
exploratórias, seu propósito é gerar novas idéias ou hipóteses e estimular o pensamento do
pesquisador, enquanto que, em pesquisas fenomenológicas ou de orientação, é aprender
como os participantes interpretam a realidade, seus conhecimentos e experiências. No caso
de pesquisas clínicas, há uma modalidade de grupo focal, conhecida como entrevista de
grupo focal em profundidade (in-depth focus group interview), cujo objetivo é identificar
informações mais profundas do que as que se encontram acessíveis nos relacionamentos
interpessoais.
O grupo focal se inicia com a reunião de seis a 10 pessoas selecionadas com base
em suas características, homogêneas ou heterogêneas, em relação ao assunto a ser
discutido. Alguns autores citam grupos com sete, oito ou até 12 pessoas. O número de
pessoas deve ser tal que estimule a participação e a interação de todos, de forma
relativamente ordenada. Por experiência prática com dinâmicas de grupo, pode-se
considerar que 6 pessoas são suficientes para promover uma discussão. Com menos de seis
pessoas, as idéias e interações tendem a ser mais esparsas e há maior probabilidade de
algumas pessoas se sentirem intimidadas pelos mais extrovertidos. Grupos com mais de 10
pessoas, por outro lado, são mais difíceis de serem gerenciados quanto ao foco da
discussão e à distribuição do tempo disponível para a participação efetiva de todos.
De acordo com Johnson (1994), os usuários dessa técnica partem do pressuposto de
que a energia gerada pelo grupo resulta em maior diversidade e profundidade de respostas,
isto é, o esforço combinado do grupo produz mais informações e com maior riqueza de
detalhes do que o somatório das respostas individuais. Resumindo, a sinergia entre os
participantes leva a resultados que ultrapassam a soma das partes individuais.
A discussão ocorre durante aproximadamente duas horas, sendo conduzida por um
moderador que utiliza dinâmicas de grupo a fim de compreender os sentimentos expressos
pelos participantes. Sob o ponto de vista do participante, a reunião é completamente
flexível e não estruturada, dando margem à discussão sobre qualquer assunto. Entretanto,
sob a perspectiva do moderador, a técnica não é tão flexível assim. Antes da reunião
propriamente dita, há um planejamento sobre o que deve ser discutido e quais são os
objetivos específicos da pesquisa. Em geral, o moderador atua no grupo de maneira a
redirecionar a discussão, caso haja dispersão ou desvio do tema pesquisado, sem, no
entanto, interromper bruscamente a interação entre os participantes.
Principais elementos
A primeira etapa do grupo focal é o seu planejamento. Nessa etapa deve ser
definido o objetivo da pesquisa, isto é, o que se pretende e quais as metas específicas a
serem alcançadas. A partir dos objetivos, é selecionado um moderador e elaborada uma
lista de questões para discussão, compondo um guia de entrevista. Convém ressaltar que
essa lista não será utilizada como se fosse uma lista de perguntas, típica de entrevistas
individuais. Ela realmente deve servir apenas como guia para o moderador.
O moderador é a peça mais importante do grupo focal. Para que realize um bom
trabalho, deve conhecer muito bem os objetivos da pesquisa, porém mantendo-se neutro e
evitando introduzir qualquer idéia preconcebida na discussão. É necessário que o
moderador seja uma pessoa flexível e que tenha boa experiência em dinâmicas de grupo
para que possa conduzir a discussão sem inibir o fluxo livre de idéias, promovendo a
participação de todos e evitando que certas pessoas monopolizem a discussão. É
recomendável que o moderador não esteja diretamente envolvido com o problema em foco,
justamente para não direcionar a discussão. Em geral, o moderador é responsável pela
elaboração do guia de entrevista, a condução da discussão, a análise e o relato de seus
resultados. Em certos casos, atua inclusive no recrutamento dos participantes.
Com a recente popularidade desta técnica, já existem empresas especializadas em
serviços de moderação para grupos focais. Em pesquisas acadêmicas, no entanto, o próprio
pesquisador costuma assumir o papel de moderador. É importante destacar que, para ter
bons resultados com o grupo focal, o pesquisador deve estar consciente de suas habilidades
em dinâmicas de grupo e de sua neutralidade em relação aos pontos de vista expostos
durante a discussão.
Ainda na fase de planejamento, é escolhido o local mais apropriado para a
realização da reunião. A fim de facilitar a interação entre os participantes, é recomendável
um ambiente agradável, tranqüilo, sem quaisquer objetos que possam desviar a atenção do
grupo ou interromper a discussão, como telefones, por exemplo. A localização das pessoas
na sala deve facilitar o contato visual entre todos. Para isso, é comum a disposição de
cadeiras em círculo ou em torno de uma grande mesa redonda.
Tendo sido escolhidos o moderador e o local, passa-se ao recrutamento dos
participantes. Dependendo dos objetivos da pesquisa, pode-se optar por grupos
homogêneos ou heterogêneos. Na maioria das vezes, é preferível ter pessoas com
características semelhantes em relação ao assunto a ser discutido. Silva (1998), por
exemplo, em sua pesquisa de opinião com usuários de biblioteca, optou pela realização de
grupos focais distintos, separando os participantes em três grupos : usuários freqüentes,
usuários pouco freqüentes e não usuários. Entretanto, se o objetivo é realmente provocar
polêmica, um grupo heterogêneo traz mais resultados.
Os participantes, ao serem recrutados, devem ser informados a respeito do objetivo
geral da pesquisa e de seus direitos. Dentre os direitos mais comuns, destacam-se o direito
de confidencialidade; de ser tratado com dignidade; de não ser obrigado a responder a
todas as perguntas; de saber que a sessão está sendo gravada, se esse for o caso; e de
receber compensação ou recompensa. Nas pesquisas mercadológicas, os participantes são
quase sempre remunerados, enquanto que, nas pesquisas acadêmicas, isso é praticamente
impossível. Entretanto, independentemente do tipo de pesquisa, é comum a distribuição de
brindes, o reembolso de despesas com transporte até o local ou a confraternização entre os
participantes durante um lanche oferecido após a reunião.
A discussão do grupo focal deve acontecer numa atmosfera agradável e informal,
capaz de colocar seus participantes à vontade para expor idéias, sentimentos, necessidades
e opiniões. Caplan (1990) sugere uma progressão natural dos assuntos, partindo de tópicos
mais gerais até chegar ao foco específico da pesquisa. Se a pesquisa tiver mais de um
objetivo, é conveniente subdividir a discussão em reuniões distintas, uma para cada
objetivo específico, visando a maior ordenação de idéias.
A dinâmica e a interação do grupo torna-se parte integrante da técnica, pois os
participantes, engajados na discussão, dirigem seus comentários aos outros participantes,
ao invés de interagirem apenas com o moderador. Caterall & Maclaran (1997) consideram
a interação do grupo como algo produtivo que amplia o espectro de respostas, ativando
detalhes de experiências esquecidas e desinibindo os participantes.
Geralmente a atuação das pessoas em um grupo obedece a certa progressão de
níveis. O moderador tem a difícil tarefa de conduzir a reunião de forma a ultrapassar o
nível superficial e defensivo, normal em qualquer interação entre pessoas desconhecidas,
com intuito de alcançar o lado autêntico de cada participante.
É importante ressaltar que o grupo focal visa à geração de idéias e opiniões
espontâneas, sendo extremamente importante a participação de todos, porém sem coação.
O moderador deve promover a discussão entre os participantes, sem perguntar diretamente
a cada um deles, isto é, sem que a reunião pareça uma série de entrevistas individuais. O
papel do moderador é muito mais passivo do que o de um entrevistador. Diferentemente de
outras técnicas de reunião, seu objetivo é a sinergia entre as pessoas e não o consenso.
Quanto mais idéias surgirem, melhor.
Frente à quantidade de informações trocadas nesse tipo de reunião, o moderador
pode ser auxiliado por um anotador ou pela gravação da sessão em áudio e/ou vídeo, desde
que os participantes assim o permitam.
Nas pesquisas de marketing, principalmente, existe um outro elemento no grupo
focal, que é o observador. O observador representa a empresa que contratou a pesquisa,
se reúnem para assistir ao grupo focal por trás de um espelho de face única, enquanto o
moderador conduz a sessão. Segundo Greenbaum (1977), os representantes da empresa, ao
verem pessoalmente as reações dos participantes ao seu produto, adquirem maior confiança
nos resultados da pesquisa e tendem a assumir o compromisso de implementar as
mudanças sugeridas pelos consumidores.
A etapa mais difícil da técnica do grupo focal é, sem dúvida, a análise dos
resultados, pois não é suficiente repetir ou transcrever o que foi dito. O objetivo da
pesquisa e o guia de entrevista podem ser utilizados para estruturar o relatório, o qual
deverá conter, além da transcrição das fitas gravadas ou do que foi registrado pelo
anotador, um resumo dos comentários mais importantes, conclusões e recomendações do
moderador. Se a pesquisa tiver mais de um objetivo a atingir, é conveniente dividir as
respostas em categorias. Greenbaum (1999) enfatiza que o relatório preparado pelo
moderador não deve ser alterado em hipótese alguma pelo contratante da pesquisa, a não
ser para corrigir erros ortográficos. Dado o caráter subjetivo da pesquisa qualitativa e do
envolvimento dos representantes da empresa com o problema, o moderador é a pessoa
mais indicada para exprimir, com isenção, o que realmente se passou durante a discussão
do grupo focal. Greenbaum (1999) reforça essa idéia afirmando que
“Mestranda em Ciência da Informação na Universidade de Brasília
(UnB). Formada em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília.
só porque o cliente está pagando não o torna mais qualificado para
interpretar os resultados do grupo. Alguns clientes acham que estão
pagando por um relatório que concorde com o que eles pensam, ao invés
de uma análise independente do tópico em estudo”.
Fatores de sucesso
A partir dos elementos anteriormente descritos, pode-se inferir que o sucesso do
grupo focal está relacionado diretamente à definição clara do objetivo da pesquisa; ao
planejamento da discussão; à habilidade e independência do moderador; e à escolha de
participantes que consigam se expressar bem e que se sintam confortáveis em compartilhar
idéias e sentimentos.
Greenbaum (1999) sugere que planejamento nunca é demais e que a escolha
criteriosa do moderador e dos participantes é essencial para um resultado efetivo do grupo
focal. Acrescenta ainda que o relatório deve ser o mais objetivo possível, baseado na
interpretação das discussões e não no que o cliente, contratante da pesquisa, quer ouvir
No caso de pesquisas contratadas, o envolvimento de representantes da empresa,
desde o planejamento até a observação da reunião, pode ser decisivo para a implementação
das mudanças sugeridas pelos consumidores pesquisados.
Avaliação crítica e comparação com outras técnicas
As críticas mais comuns aos grupos focais dizem respeito à validade de seus
resultados e ao tempo excessivo de análise das respostas. Alguns dizem que há falta de
rigor quantitativo na análise e que os resultados não podem ser generalizados ou projetados
para uma população maior, ou ainda que seriam diferentes se fossem reunidos outros
participantes com outro moderador, utilizando outro guia de entrevista.
Johnson (1994) rebate essas críticas lembrando que os grupos focais são úteis
quando os pesquisadores buscam soluções criativas e inovadoras, coletando informações
não facilmente obtidas por meio de outras técnicas. Para a autora “os resultados de um
grupo focal são ilustrativos e fornecem um conjunto de idéias em relação ao tópico de
interesse”.
Comparado ao questionário, ferramenta usual de coleta de dados, o grupo focal, por
dar oportunidade aos participantes de exporem aberta e detalhadamente seus pontos de
vista, é capaz de trazer à tona respostas mais completas, permitindo ao pesquisador
conhecer melhor e mais profundamente o grupo pesquisado.
O grupo focal é uma técnica especialmente útil quando o pesquisador lida com um
universo de pessoas inabilitadas ou incapazes de responder questionários escritos, como
analfabetos, deficientes e crianças, ou pessoas exaustivamente expostas a questionários.
Ao comparar o grupo focal com a entrevista individual, Aaker (1990, p. 166)
destaca vários fatores, como mostra a tabela a seguir, adaptada de seu livro Marketing
Research..
Exemplos de aplicações
O grupo focal pode ser utilizado como ferramenta de coleta de dados em situações
distintas de pesquisa. Uma aplicação bastante comum é a exploração, ou “pescaria”, de
novos mercados, novas áreas do conhecimento ou de uma nova população, quando o
pesquisador desconhece a linguagem mais adequada a ser utilizada ou o contexto do
universo pesquisado. Nessa abordagem exploratória, o grupo focal é útil no planejamento
de pesquisas quantitativas e na elaboração de questionários.
Por outro lado, o grupo focal também pode ser usado após uma pesquisa
quantitativa, com intuito de esclarecer pontos ou resultados ainda obscuros para o
pesquisador. Nessa situação, diz-se que o pesquisador realiza um trabalho investigativo,
reunindo, em um grupo focal, pessoas que possam, individualmente, explicar partes do
problema. O moderador, como um detetive, junta as peças do quebra-cabeças e preenche as
lacunas deixadas pelo método ou técnica de pesquisa anterior.
O grupo focal ainda pode ser utilizado na geração de novas idéias, novos conceitos,
serviços ou produtos. Nesse caso, os participantes são solicitados a dar opiniões sobre um
produto ou serviço existente e a sugerir modificações para sua melhoria. A vantagem do
grupo focal sobre outras técnicas é que uma nova idéia gerada por algum dos participantes
é imediatamente testada, a partir da reação dos outros participantes, em apoio ou repúdio.
Em um grupo, alguém expressa um desejo ou necessidade, outra pessoa reage,
concordando ou discordando, e uma terceira ainda pode modificar a mesma idéia para
torná-la mais acessível. Enfim, todo o grupo acaba emitindo uma opinião a respeito. Com
isso, ganha-se tempo no projeto de novos produtos e serviços, atendendo às expectativas de
usuários reais.
Nas áreas de Marketing e Ergonomia, o grupo focal também tem sido empregado
para identificar os motivos que levam os consumidores a escolherem uma marca e não
outra, e como costumam utilizar um produto, por meio da experimentação concreta durante
a discussão. Para testar uma nova embalagem, por exemplo, pode-se levar para a reunião
do grupo focal o produto atual da empresa, um ou mais protótipos e o produto do
concorrente. O moderador e os observadores presenciam como os consumidores
efetivamente utilizam aquele tipo de produto, as vantagens e desvantagens de um projeto
em relação aos outros. Da mesma forma, o grupo focal tem sido cada vez mais utilizado no
teste de novas interfaces de software, como descreve Fuccella (1999), no caso de projetos
de interfaces web baseados nas necessidades e expectativas dos usuários. Já foi
comprovado que, na prática, as pessoas se sentem mais à vontade e costumam externar
suas motivações para seus semelhantes, pessoas que passam pelas mesmas situações e
experimentam os mesmos sentimentos, ao invés de tentarem fazer com que um
entrevistador, um “estranho”, entenda seus pontos de vista. Portanto, o grupo focal parece
ser a técnica ideal para esses casos, dada a interação entre os participantes e a relativa
passividade do moderador.
Ainda na área de Marketing, o grupo focal tem sido empregado na avaliação de
mensagens promocionais. Como em toda comunicação, nem sempre a mensagem é
compreendida pelo receptor da mesma maneira com que o transmissor pensa estar
comunicando. As mensagens transmitida e recebida nem sempre são coincidentes. Como
um refinamento da comunicação de seu material promocional, várias empresas têm
utilizado grupos focais de consumidores para que a mensagem transmitida ao público alvo
seja testada e modificada até que realmente combine com a mensagem que a empresa
tenciona comunicar.
Uma variação de grupo focal, subdividido em grupos heterogêneos de usuários, não
usuários e usuários potenciais, tem sido utilizada na pesquisa do chamado marketing “de
boca em boca” (word of mouth). Acredita-se que o marketing feito por usuários reais de
um produto é muito mais efetivo do que o marketing feito pela empresa fornecedora do
produto. Por isso, preocupadas com o que os consumidores dizem de seus produtos e
serviços, várias empresas começaram a recrutar grupos focais, reunindo, em uma mesma
discussão, usuários de seus produtos, usuários dos produtos dos concorrentes e não
usuários. O objetivo desse tipo de discussão é identificar quem são os formadores de
opinião, o que dizem sobre o seu produto e o do concorrente, porque mudaram sua
preferência para um outro produto, como convencem os não usuários de que aquele
produto é melhor do que outros etc.
Além das pesquisas acadêmicas exploratórias, investigativas e de opinião, e das
pesquisas de Marketing e de Ergonomia, o grupo focal passou a ser utilizado também em
pesquisas das Ciências Sociais, identificando necessidades de grupos minoritários, ou
parcelas do público alvo não contempladas em pesquisas sociais quantitativas.
Na área da Ciência da Informação e Biblioteconomia, a técnica do grupo focal foi
utilizada pela primeira vez em 1980, na pesquisa de Kaske e Sanders, cujo objetivo era
determinar as características de um sistema de recuperação automatizado necessárias para
suportar o comportamento de busca dos usuários de bibliotecas naquela época. Nessa
pesquisa, Kaske e Sanders realizaram mais de vinte entrevistas de grupo focal com
usuários de bibliotecas públicas, especializadas e universitárias, e ainda utilizaram outras
técnicas qualitativas de coleta de dados, tais como entrevistas individuais e análise de
protocolos. Segundo Drabenstott (1992), é possível que outros pesquisadores da área de
Ciência da Informação tenham utilizado essa técnica antes de Kaske e Sanders, porém não
há registros de tal uso.
Dois anos mais tarde, Kaske utilizou novamente o grupo focal como complemento
de uma pesquisa realizada por meio de questionários enviados a usuários e não usuários de
catálogos on-line em todo o território americano. Nesse estudo, os resultados das
entrevistas com os grupos focais conseguiram validar e explicar as razões pelas quais os
participantes da pesquisa inicial tinham certos comportamentos e sentimentos em relação
aos catálogos on-line.
Após essas primeiras iniciativas, outros pesquisadores da Ciência da Informação
começaram a utilizar o grupo focal com o objetivo de complementar ou confirmar
resultados obtidos por meio de outras técnicas (questionários, entrevistas individuais,
observação etc.); identificar mudanças no comportamento dos usuários; e, principalmente,
determinar o grau de satisfação dos usuários com os serviços e produtos oferecidos pelos
sistemas e unidades de informação.
Questionamentos
Antes de empregar a técnica do grupo focal, convém que o pesquisador tenha em
mente alguns questionamentos, para os quais não existem respostas certas ou erradas. Na
verdade, são perguntas que o pesquisador deve fazer a si mesmo durante a fase de
planejamento, inclusive para identificar se o grupo focal realmente se aplica à situação de
pesquisa pretendida. Dentre as questões apresentadas por Calder (1977), em artigo
publicado no Journal of Marketing Research, destacam-se :
Deve-se complementar a pesquisa qualitativa com outra quantitativa ?
Quando realizar a pesquisa de grupo focal ?
Quantos grupos focais são necessários ?
Participantes homogêneos ou heterogêneos ?
Qual o grau de experiência necessário para o moderador ?
Os representantes da empresa contratante da pesquisa devem observar o grupo
focal ?
Que tipo de relatório se espera ?
Considerações finais
Em síntese, pode-se dizer que o grupo focal é uma técnica de coleta de dados em
pesquisas qualitativas, apropriada para avaliação de produtos e serviços; pré-testes de
embalagens, mensagens e programas promocionais; identificação de necessidades e
expectativas de grupos minoritários ou de parcelas do público alvo; avaliação de
usabilidade de interfaces; definição de novos requisitos de produtos e serviços; geração de
novos conceitos e idéias; e entendimento de motivações.
Na área de Ciência da Informação, mais especificamente nas unidades de
informação, o grupo focal pode ser empregado em estudos de usuários; em pesquisas com
não usuários ou outros grupos tradicionalmente pouco representativos nos estudos de
usuários; em avaliações de processos, serviços e produtos; e em avaliações da satisfação
dos funcionários na realização de suas tarefas diárias.
No âmbito acadêmico, o grupo focal aplica-se a pesquisas exploratórias,
antecedendo outras técnicas de pesquisa (qualitativas ou quantitativas); pesquisas
investigativas, complementando lacunas deixadas por outras técnicas utilizadas em fases
anteriores da pesquisa; e pesquisas de opinião.
Assim como foram destacadas as situações favoráveis ao uso do grupo focal,
também devem ser ressaltados os casos em que essa técnica não é considerada adequada,
isto é, em pesquisas que buscam informações ou generalizações quantitativas, projeções
estatísticas de ações e comportamentos futuros, ou ainda o consenso.
Para finalizar, um pensamento de Calder (1977) sobre a pesquisa qualitativa, os
grupos focais e a utilização de mais de uma técnica de pesquisa com intuito de tornar seus
resultados válidos e mais consistentes :
“A natureza da pesquisa qualitativa não a limita a nenhuma técnica
como sendo a melhor. Outras técnicas são tão boas quanto os grupos
focais, e devem ser exploradas. A maior ameaça à pesquisa qualitativa
não é a falta da capacidade de generalizações mas a falta de validade. A
validade só pode ser atingida a partir do uso de múltiplos métodos”.
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